Realiza-se, hoje, mais uma conferência promovida pelo Centro de Informação Jacques Delors com o propósito de prestar tributo a cidadãos e cidadãs portugueses que se distinguiram nos últimos 30 anos, o período que decorre desde a assinatura da Adesão de Portugal à União Europeia. Hoje a homenageada é Maria de Lourdes Pintasilgo.
Coube-me a honra de ter sido convidada para fazer a sua apresentação. Do texto que preparei para a conferência respigo algumas passagens.
Tive o privilégio de conhecer a MLP no verão de 1950, num campo de férias da Juventude Universitária Católica Feminina, na Nazaré. Tinha eu, então, 18 anos e acabava de completar o primeiro ano na Universidade Técnica de Lisboa no Instituto Superior de Economia e Gestão e ela dois anos mais adiantada na idade e nos estudos de engenharia no Instituto Superior Técnico.
Nesse longínquo verão de 1950, MLP falou da Universidade e da nossa responsabilidade de estudantes na universidade e na sociedade com tamanha largueza de visão e convencimento como ninguém, até então, me tinha aberto tais horizontes. Falou com o coração e o afecto com que habitualmente revestia as suas palavras, estabelecendo pontes com quem a escutava e suscitando adesão e compromisso por parte das ouvintes, eu incluída.
Já nessa altura fiquei com a certeza que MLP seria sempre uma mulher de um sopro novo. A sua vida demonstrou amplamente esta minha intuição.
Não é possível compreender a nossa homenageada sem fazer ressaltar a fé que a animava e pela qual pautava todo o seu agir, tanto nas pequenas coisas do quotidiano como nas grandes causas da esfera pública, do pensamento e da política, em que generosamente tanto se envolveu.
A fé está na génese da sua motivação profunda como na finalidade que imprime sentido à sua acção.
Foi este percurso de fé que conduziu MLP a assumir uma atitude de maturidade laical como mulher na Igreja, em sintonia, aliás, com o pensamento conciliar bem como a usar da palavra e da sua influência pessoal em vários fora nacionais e internacionais.
Foi o mesmo percurso de fé que a levou a aceitar cargos públicos de responsabilidade na cena política nacional e internacional e a manter sempre uma presença viva no plano da cultura e do pensamento contemporâneo, antecipando propostas de soluções para cidades futuras.
Foi o mesmo percurso de fé que a levou a tecer redes de solidariedade em torno de causas comuns e a entregar a sua vida para as fazer vingar.
A vida de uma pessoa não se distingue apenas por aquilo que ela realiza e ganha visibilidade no espaço público. Mas há vidas que não se compreendem sem que recordemos as suas realizações materializadas em obras e outras marcas deixadas nas instituições a que ficaram ligadas ou nos cargos que desempenharam. A vida de MLP não se apreende sem uma referência à sua acção cívica, eclesial e política nas suas quase 6 décadas de vida activa.
Com larga visão prospectiva, aponta como desafios maiores: a aurora de uma nova civilização, a perda de parâmetros de referência básicos, a complexidade e a acentuada dinâmica das mutações económicas, tecnológicas e culturais, a turbulência, a imprevisibilidade e a incerteza com que teremos de aprender a conviver.
MLP dispunha de uma base teórica sólida que alimentava numa pluralidade de fontes disciplinares: a filosofia, a sociologia, a teologia, a história ou a ciência política. Sempre a par do pensamento mais recente, crítico e bem fundamentado, como que convivendo de perto com os diferentes autores. Conversar com ela era um fascínio de que resultava um imenso valor acrescentado para quem tinha o privilégio de o poder fazer.
Existe hoje uma plataforma de acesso livre e gratuito onde é possível encontrar não só uma riquíssima documentação sobre a vida de MLP como fonte de conhecimento acerca da nossa história contemporânea, portuguesa e europeia. Ver www.arquivopintasilgo.pt
Neste tempo em que, por justificadas razões, se destacam múltiplas disfuncionalidades das actuais instituições-quadro do projecto europeu e crescem os temores acerca da sua capacidade de resposta aos desafios de uma mudança acelerada e incontornável, é da maior pertinência revisitar o pensamento da homenageada.
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