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07 junho 2015

Dr. Pangloss ou o grau zero em política

Consta que Voltaire terá criado Candide para ironizar e pôr a nu o excessivo optimismo de Leibniz, seu contemporâneo. Num período de grandes tumultos e catástrofes naturais, como o terramoto de Lisboa de 1755, o Dr. Pangloss, tutor de Candide (instruía em metafísico-teológico-cosmoloni-gologia…), educou o seu pupilo num mundo imaginário, “o melhor dos mundos possíveis”, já que “Things cannot be otherwise than they are, for since everything is made to serve an end, everything necessarily serves the best end”…
Vem isto a propósito da enumeração do que o Primeiro Ministro chamou reformas estruturais,   na prelecção com que acompanhou a apresentação das Linhas Orientadoras do programa eleitoral da coligação PSD-CDS (http://www.portugal.gov.pt/pt/reformas.aspx). Dois pequenos excertos ajudam-nos a situar melhor a questão. Disse o Primeiro Ministro:

                O nosso programa de reformas teve e tem [três grandes] objectivos:
-…
- democratizar a sociedade e a economia portuguesas, quebrando os privilégios injustificados, anulando os protecionismos que favoreciam apenas alguns, reduzindo as rendas excessivas e alargando a todos a participação na vida económica;
- …
E continuou:

·  Reformámos todas as grandes áreas da governação: da Justiça às Forças Armadas; da Concorrência à Educação; da Administração Pública aos Fundos Europeus; da Saúde à Fiscalidade. Reformámos a economia, o Estado e as Instituições. Fizemo-lo com sentido estratégico (…).

Tal como Pangloss, o Primeiro Ministro faz-nos crer que vivemos num mundo imaginário. E ficamos a ver bem o que nos espera:

- a continuação da quebra dos privilégios injustificados?

Só se se refere aos imprudentemente anunciados, e muito mal desmentidos, cortes futuros (além dos passados) nas pensões e à continuidade da flexibilização e depressão salariais, “privilégios” em que os reformados e a classe média portuguesa têm vivido nos últimos anos… Já que a “redução das rendas excessivas”, como as do sector energético ou das PPP, ainda não se vislumbram no horizonte. “Alargando a todos a participação económica” só poderá interpretar-se como reduzindo drasticamente o desemprego massivo que tem marcado dolorosamente, como todos sabemos, a nossa sociedade nesta legislatura… Mas com que passe de mágica tenciona (tenciona mesmo?) o Governo fazê-lo? Garante que o fará “na medida em que de nós depender”… Ora, também as medidas de austeridade que nos conduziram a este dramático desfecho dependeram, em grande medida, do Governo actual, no seu afã de se tornar ainda melhor aluno face aos imperativos da troïka que suplantou em larga medida…

- e as reformas de “todas as grandes áreas da governação …”?

No que respeita à Justiça e à Saúde, por exemplo, o cidadão comum não consegue senão ver, e ser vítima, da incompetência em que consistiu a reforma dos tribunais e do processo informático que lhe esteve associado, condenando como bodes expiatórios dois funcionários de base, já que o poder político ao assumir de responsabilidades disse nada. Os processos avolumam-se nos tribunais como os doentes nas urgências hospitalares, face a magistrados incapazes de dar vazão a tanto dossier e a jovens médicos de aluguer, contratados à pressa por empresas privadas, eles próprios vítimas de exploração.

- e quanto à Educação?

Quererá o Primeiro Ministro significar por “reformas estruturais”, feitas “com sentido estratégico”, a destruturação total do sistema de educação e formação da população adulta? A hesitação política entre o combate ao centralismo e o desvio municipalista que agora parece ter-se tornado a coqueluche? A incapacidade, de facto, de reformar profundamente os currículos e programas de ensino, contrapondo-lhe a legislação avulsa e estapafúrdia que permanentemente dá o dito por não dito, como no que respeita ao Inglês no primeiro ciclo – que, na recentíssima versão, se propõe vir a ser acompanhado pelo ensino do Latim e do Grego…? A falta de preparação para enveredar por uma apreciação e revisão críticas dos programas de formação de docentes e educadores, substituindo-a por uma fiscalização, a jusante e via exame, dos conhecimentos que os docentes efectivamente não terão tido mesmo quando formados em escolas públicas?

Muito mais se poderia acrescentar neste último domínio. Muito se analisou, propôs e discutiu no Projecto Pensar a Educação. Portugal 2015, da iniciativa deste Grupo Economia e Sociedade, como consta do espaço próprio neste blogue.

Mais não iremos desenvolver agora. Resta-nos pensar, que tal como Pangloss face a Cândido, nos querem fazer crer que vivemos no melhor dos mundos e que outras alternativas não existem.

E resta-nos, sobretudo, combater contra isso.

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