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23 fevereiro 2015

O acesso universal à saúde e o poder das multinacionais farmacêuticas



A questão dos preços exorbitantes praticados na venda de um medicamento de grande eficácia – Sofosbuvir - no tratamento da hepatite C, veio despertar a atenção para o enorme desequilibrio de poder sempre presente nas negociações com grandes empresas farmacêuticas muitinacionais, sobretudo quando está em causa a vida das pessoas ou uma doença transmissível que pode afectar um número elevado de pessoas.

A necessidade de criar as condições financeiras capazes de sustentar o processo de inovação no domínio do medicamento (como noutros domínios) é o argumento para requerer o registo de patentes.

Àquelas empresas interessa maximizar o direito que as patentes lhes dão para bloquear a produção de medicamentos genéricos a baixo custo que lhes fariam concorrência.

Face à impossibilidade de penetrarem em países com reduzido poder de compra, alguns, como a India, com menor protecção de direitos patenteados, certos acordos excepcionais  foram consentidos, ainda que subsistam pressões para serem revistos em termos mais favoráveis às multinacionais.

Mesmo em países ricos, o peso da factura com medicamentos nos sistemas de saúde tornou a questão dos preços um problema real e preocupante na gestão dos recursos financeiros públicos que devem garantir o acesso universal aos melhores medicamentos.

Muito caminho há ainda a percorrer para que se encontre um ponto de equilíbrio entre o incentivo à inovação e a necessidade de tornar os preços dos medicamentos comportáveis com a realidade de cada país.

Um acontecimento recente que merece aqui ser destacado, por inédito na Europa, é a contestação à patente do Sofosbuvil, detida pela empresa Gilead, apresentada ao Gabinete Europeu de Patentes pela ONG Médicos do Mundo.

Se os argumentos apresentados por esta ONG vierem a ser acolhidos em tribunal, será possível a introdução de genéricos para o tratamento da hepatite C a um custo muito reduzido. Tal significa a esperança de cura para quase 9 milhões de europeus e entre 130 a 150 milhões de pessoas infectadas em todo o mundo, segundo estimativa da  OMS.

Ao mesmo tempo, do outro lado do Atlântico, nos EUA, aumentam as pressões para o reforço dos direitos patenteados, incluindo o do medicamento referido para a hepatite C, vendido por 84 mil dólares por tratamento, contra menos de 1.000 dólares se fornecido  por fabricantes indianos do genérico.

Quando os governos argumentam que a livre concorrência e a liberalização do comércio internacional, é a via para maior prosperidade, não deixa de ser curioso observar, como Stiglitz e outros em artigo publicado a 10 de Fevereiro em Project Syndicate “Obama Versus Obamacare”, que as patentes são essencialmente monopólos concedidos pelos governos os quais geram as mesmas ineficiências e comportamentos rentistas que quaisquer outras distorções de mercado. Uma patente que muitiplica por 100 o preço de um medicamento tem o mesmo efeito no mercado que uma tarifa aduaneira de 10.000 %.

Os mesmos autores defendem que um sistema de investigação muito apoiado em  patentes, como o dos EUA, acaba por prejudicar o progresso científico por ser reduzida a informação necessária para o respectivo registo.

A União Europeia terá certamente algo a dizer sobre este assunto, tanto mais que a Comissão Europeia está a negociar, em nome dos Estados Membros, um Acordo de Parceria Transatlântica que prevê o aumento da duração das patentes de medicamentos, impossibilitando assim a venda de genéricos cujos preços são bem menores.

Haverá interesses legitimos das empresas a defender mas eles não se podem sobrepor ao direito de todos ao acesso a tratamentos de saúde eficazes e a preços justos.

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