A questão dos preços exorbitantes praticados
na venda de um medicamento de grande eficácia – Sofosbuvir - no tratamento da
hepatite C, veio despertar a atenção para o enorme desequilibrio de poder sempre
presente nas negociações com grandes empresas farmacêuticas muitinacionais,
sobretudo quando está em causa a vida das pessoas ou uma doença transmissível
que pode afectar um número elevado de pessoas.
A necessidade de criar as condições
financeiras capazes de sustentar o processo de inovação no domínio do
medicamento (como noutros domínios) é o argumento para requerer o registo de
patentes.
Àquelas empresas interessa maximizar o
direito que as patentes lhes dão para bloquear a produção de medicamentos genéricos
a baixo custo que lhes fariam concorrência.
Face à impossibilidade de penetrarem em
países com reduzido poder de compra, alguns, como a India, com menor protecção
de direitos patenteados, certos acordos excepcionais foram consentidos, ainda que subsistam
pressões para serem revistos em termos mais favoráveis às multinacionais.
Mesmo em países ricos, o peso da factura com
medicamentos nos sistemas de saúde tornou a questão dos preços um problema real
e preocupante na gestão dos recursos financeiros públicos que devem garantir o
acesso universal aos melhores medicamentos.
Muito caminho há ainda a percorrer para que
se encontre um ponto de equilíbrio entre o incentivo à inovação e a necessidade
de tornar os preços dos medicamentos comportáveis com a realidade de cada país.
Um acontecimento recente que merece aqui ser
destacado, por inédito na Europa, é a contestação à patente do Sofosbuvil,
detida pela empresa Gilead, apresentada ao Gabinete Europeu de Patentes pela
ONG Médicos do Mundo.
Se os argumentos apresentados por esta ONG vierem
a ser acolhidos em tribunal, será possível a introdução de genéricos para o
tratamento da hepatite C a um custo muito reduzido. Tal significa a esperança
de cura para quase 9 milhões de europeus e entre 130 a 150 milhões de pessoas infectadas
em todo o mundo, segundo estimativa da OMS.
Ao mesmo tempo, do outro lado do Atlântico, nos
EUA, aumentam as pressões para o reforço dos direitos patenteados, incluindo o
do medicamento referido para a hepatite C, vendido por 84 mil dólares por
tratamento, contra menos de 1.000 dólares se fornecido por fabricantes indianos do genérico.
Quando os governos argumentam que a livre
concorrência e a liberalização do comércio internacional, é a via para maior
prosperidade, não deixa de ser curioso observar, como Stiglitz e outros em
artigo publicado a 10 de Fevereiro em Project Syndicate “Obama Versus Obamacare”,
que as patentes são essencialmente
monopólos concedidos pelos governos os quais geram as mesmas ineficiências e
comportamentos rentistas que quaisquer outras distorções de mercado. Uma
patente que muitiplica por 100 o preço de um medicamento tem o mesmo efeito no
mercado que uma tarifa aduaneira de 10.000 %.
Os mesmos autores defendem que um sistema de
investigação muito apoiado em patentes,
como o dos EUA, acaba por prejudicar o progresso científico por ser reduzida a
informação necessária para o respectivo registo.
A União Europeia terá certamente algo a dizer
sobre este assunto, tanto mais que a Comissão Europeia está a negociar, em nome
dos Estados Membros, um Acordo de Parceria Transatlântica que prevê o aumento
da duração das patentes de medicamentos, impossibilitando assim a venda de
genéricos cujos preços são bem menores.
Haverá interesses legitimos das empresas a
defender mas eles não se podem sobrepor ao direito de todos ao acesso a tratamentos
de saúde eficazes e a preços justos.
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