Uma leitura superficial do
livro de Thomas Piketty, O capitalismo do século XXI, pode
transmitir a ideia de que a desigualdade crescente é uma lei inexorável do
capitalismo. Com efeito, se exceptuarmos as três décadas que se seguiram à II
Guerra Mundial, os dados confirmam que tal foi a trajectória que se verificou
na generalidade dos países desenvolvidos.
O rendimento mediano de
muitos países é, hoje, mais baixo do que há 30 anos atrás, apesar do crescimento
económico verificado, o que ilustra a tendência para uma mais desigual
apropriação do rendimento.
Num artigo recente, Joseph Stiglitz
destaca o facto de que o rendimento dos CEO americanos é 295 vezes o do
trabalhador comum, sem que tal desproporção reflicta aumentos equivalentes de
produtividade.
Situações como estas não
resultam de qualquer lei “natural” do capitalismo e do funcionamento do
mercado, mas tão só do poder político adquirido por determinados grupos o que
leva à apropriação em seu favor de uma considerável fatia do rendimento gerado
nas economias.
Fosse outro o conceito e o
modelo de gestão da empresa, com maior participação dos trabalhadores e maior
supervisão do Estado quanto a práticas rentistas ou fraudulentas e uma tal
desproporção não seria possível.
A ideologia dominante
veiculada, sobretudo, pelo sistema financeiro, associada ao conluio do poder
político não permite, porém, que se operem as mudanças estruturais que seriam
desejáveis, mas tão só que se adoptem expedientes correctivos de última hora,
em regra com recurso ora a dinheiro dos contribuintes, por agravamento de
impostos, ora por retracção de serviços públicos essenciais. Opera-se, assim,
uma dupla via de desigualdade, cortando no nível de rendimento da classe média
e retirando aos estratos economicamente mais débeis oportunidades de acesso a
bens essenciais, como sejam a saúde, a educação, a habitação, o acesso à
cultura…
A grande desigualdade, mais
do que um atributo do capitalismo, é uma disfuncionalidade política e é, neste
plano, que tem de ser urgentemente corrigida, sob pena de constituir uma ameaça
para a própria democracia.
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