No passado
dia 24 de Março o INE divulgou os resultados do Inquérito
às Condições de Vida e Rendimento das famílias no ano de 2012. Durante vários
dias os meios de comunicação social e as personalidades mais insuspeitas
sublinharam a importância do documento e a necessidade de ponderar adequadamente
os seus resultados e conclusões, em particular a da diminuição do rendimento das
famílias e as consequências que daí resultam.
Um
post já aqui publicado nesse mesmo
dia 24 de Março por Carlos Farinha Rodrigues sublinha, com rigor, a
conclusão de que em 2012 se verificou um aumento do risco de pobreza (de 17,9 para 18,7% da população), em
consequência das medidas de austeridade que o Governo tem vindo a impor. Em
termos comparativos, com anos anteriores, a severidade da pobreza é ainda maior
do que a que estes números revelam, pela circunstância de que o risco de pobreza
é definido como existindo quando o rendimento de uma família é inferior a 60%
da mediana dos rendimentos do ano. Ora, como os rendimentos vêm diminuindo,
isso significa que o valor equivalente a 60% da mediana dos rendimentos de um
ano é inferior ao valor que corresponde a 60% da mediana dos rendimentos de
anos anteriores.
Importa
sublinhar que as famílias que têm rendimentos inferiores a 60% da mediana não
têm rendimentos todos iguais. O agravamento do risco de pobreza é mais brutal
para os jovens e os mais velhos tendo, como consequência, não apenas o maior
agravamento das suas condições de pobreza mas, também, das condições de
sustentabilidade da sociedade portuguesa, em termos sociais mas, também,
em termos económicos.
Nunca é demais
ter presente as conclusões do estudo do INE; no entanto, entendi aqui voltar ao
assunto porque muita “boa” gente rapidamente as esquece ou se comporta como se
as tivesse esquecido. Vem isto a propósito de um Programa televisivo emitido nopassado dia 7, em que intervieram, um economista (também Conselheiro de
Estado) e um jurista que, também, faz de economista, Programa esse que se
propôs como tema a discussão a pobreza em Portugal.
Pois bem, o
tema do empobrecimento em Portugal foi apresentado como um “tema sobre que gira
alguma confusão”. O animador do Programa propôs-se contribuir para que durante
a sessão se fizesse luz sobre a questão. Para o efeito, acrescentou que o seu
convidado tem uns quadros que certamente tudo esclarecerão. Importa sublinhar
que este animador tem por hábito procurar esclarecer, as questões que leva ao
Programa, através da apresentação dos números e gráficos que aí apresenta. Deduz
a mais-valia do esclarecimento pelo facto de que “quem por aí anda a falar
destas coisas não tem números nem gráficos, nem percebe nada disto”.
Independentemente
da eventual objetivação que pode ser dada à argumentação com a apresentação de
números e gráficos, importa esclarecer que quaisquer números e gráficos são
destituídos de qualquer valia quando, como é o caso, não se revelam as suas
fontes e as metodologias utilizadas para os obter. Isto é, sem a explicitação
destes pressupostos, os dados de um interlocutor valem tanto como os dados de
um outro interlocutor que tenha idêntico comportamento.
Mas vejamos
alguns pontos da "conversa" realizada. O economista convidado
começou por declarar que adotaria uma abordagem macroeconómica, já que não possuía
dados que lhe permitissem ter em conta o comportamento das famílias. Será que o
INE lhe bloqueou o acesso aos dados do Inquérito às Condições de Vida e de
Rendimento e que o Inquérito não tem impacto macroeconómico? Não parecendo que tal bloqueamento
tenha existido, então, a única conclusão que se pode retirar é a de que o
Estudo do INE foi voluntariamente afastado da reflexão.
Em
alternativa o que é que foi feito? Começou por ser afirmado que a pobreza em
Portugal não era tão grave quanto tem andado por aí a ser proclamado. Para
justificar esta afirmação foi utilizada uma argumentação verdadeiramente
espantosa.
Foi
introduzida a distinção entre a pobreza real (a que de facto existe) e a
pobreza “percebida” (a que se percebe!), que não existe, mas que as pessoas
percebem que existe. E porque é que as pessoas percebem uma coisa diferente da
que é efetivamente real?
A explicação
dos intervenientes no Programa é muito simples: as pessoas sentem-se mais
pobres do que aquilo que de facto são, porque deixaram de, como anteriormente, se
poder endividar e, por isso, o acréscimo de rendimento que obtinham por essa
via passou a ser componente do seu sentimento de pobreza.
Fantástico!
Mais uma vez,
os pobres andaram a gastar acima das suas possibilidades (do seu rendimento
real). Vêm daí grande parte das dificuldades que o país atravessa, incluindo as
da dívida pública! As transferências sociais que procuram tornar menos severa a
pobreza não são uma componente importante da dívida pública, para o demonstrar?
Está visto!
Assim se percebe que não foram os desmandos financeiros que provocaram a crise;
nem a dívida dos que obtiveram financiamentos para a realização de especulação
financeira; nem o financiamento a bancos que necessitavam de capitalização; nem
o pagamento de PPP; nem a aquisição de serviços de consultoria; etc., etc.
Então isto não é o
princípio do delírio? Outros capítulos virão a seguir, certamente.
Não me parece que haja delírio algum! Esta gente está mandatada pela ideologia neoliberal que defendem, e por isso, o seu discurso se torna tão irreal e por vezes estúpido. A meu ver, se se quer um debate sério, a par destas "sumidades" deveria igualmente estar um ou dois representantes dos pobres, para ilustrarem a realidade. Não era preciso que tivessem o dom da palavra. Bastava que relatassem como viviam em 2007 e como vivem agora, e os acontecimentos na sua vida que os levaram à situação actual.
ResponderEliminarHá também uma classe de gente, que não tenho visto contemplada nos debates. São os novos marginais da sociedade, que sem serem criminosos, são tratados como tal. Senão vejamos: Uma família atingida pelo desemprego, deixa de pagar a casa ao banco e outros créditos associados que tenha contraído. Passa a constar da lista negra do Banco de Portugal. Ainda que tenha "entregue" a casa ao banco, precisa de um tecto para morar. Pode ter um rendimento de desemprego para pagar uma renda baixa. Mas quem lhe vai fazer um arrendamento estando na lista negra, e tendo apenas um subsídio que além de baixo é precário?! Vai para debaixo da ponte...ou suicida-se!
De um outro ponto de observação (ponto de vista) pode ver-se o mesmo, embora com uma coloração diferente. Se isso for importante não insisto no delírio, mas que outra coisa chamar ao que anda a fazer a "ideologia neoliberal"?
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