Em tempo de fim-de-semana
e de maior inclinação para o descanso pretendo contar-vos uma história que é
menos para adormecer e muito mais para acordar.
A história
vai sendo conhecida, mas pelo que tenho ouvido contar precisa, ainda, de ser
muito mais divulgada. Eu próprio, ainda que através de outras linguagens, em
outras ocasiões, aqui tenho deixado alguns flashes
sobre o desenrolar da história.
Era uma vez .
. .
Tudo estava
sendo preparado há vários anos, mas foi em 2008 que a tramoia passou a ser mais
conhecida, com a falência das empresas financeiras Lehman Brothers e Bernard
Madoff, e ainda da empresa Enron. A falência destas instituições era, apenas, a
ponta do iceberg. Debaixo de água era todo o sistema financeiro que se
encontrava ancorado. Partida a âncora, tudo ficou à deriva, com inimagináveis
consequências sobre a sustentabilidade do sistema financeiro e sobre a vida das
pessoas.
Generalizadamente
pensou-se que com o naufrágio nada se poderia salvar. O naufrágio tinha origem no
comportamento dos agentes financeiros que, inebriados pela luz de um sistema
globalizado, passaram a atuar como se estivessem possuídos de uma tela protetora
que lhes seria fornecida por uma espécie de poção mágica. Levaram a assunção de
riscos até ao limite mais elevado. Inundados de liquidez levaram os vários agentes económicos e sociais a
tomar créditos insustentáveis. A corda partiu-se. E o que é que aconteceu, a
seguir?
Toda a gente
e os principais responsáveis institucionais e de governo passaram a declarar
que tal não podia voltar a acontecer, que era preciso regular, de forma mais
rigorosa, o comportamento dos agentes financeiros em relação ao futuro e obrigá-los
a assumir as responsabilidades dos desmandos em que se tinham envolvido. Se bem
o disseram, pior o fizeram.
Com efeito,
como nunca antes tinha acontecido, o sistema financeiro chamou à ordem os
responsáveis políticos, convencendo-os de que se poderia mexer em tudo menos na
ordem financeira vigente. Isto é, o equilíbrio perdido teria que ser
recuperado, mas à custa do Zé-Povinho.
O argumento
utilizado foi o de que o Zé estava a “gastar acima das suas possibilidades”. Tinha,
não apenas de passar a gastar menos, mas também de devolver o que antes tinha
gasto a mais, através do crédito e dos financiamentos ou transferências do Estado.
O resto da
história é conhecido. O seu instrumento foi a austeridade, pela mão dos estados
nacionais, sós ou com o policiamento das “troikas”. O grande argumento: a
necessidade de reformar o Estado para que fosse reposta a ordem e o rigor financeiro
das suas contas. Anunciaram alto e bom som um plano para a reforma do Estado e,
em particular do Estado Social, mas desistiram depressa. A razão: concluíram que
era muito mais fácil destruir o Estado Social sem plano, através de medidas
avulsas. E se bem o pensaram melhor (pior) o fizeram.
Então porquê
esta sanha destruidora do Estado Social? Muito simples; o Estado Social
desenvolveu-se no pós-guerra como um mecanismo de redistribuição de rendimentos
já que o simples funcionamento das “regras de mercado” não permitia obter essa redistribuição. O
sistema financeiro entendeu que se tinha ido longe de mais e que o momento era
o mais adequado para expropriar o que até então o “Zé-Povinho” tinha adquirido.
Não se tratou de expropriar apenas o futuro, mas também o passado. Creio estar
assim compreendido o ataque aos salários, ao emprego, aos funcionários
públicos, às pensões, etc., etc.
Conta-se,
agora, que o emprego está a aumentar, mas o que é que isto quer dizer? Pode ser
verdade que aumentou o número de trabalhadores, mas o que aconteceu foi que um
trabalhador a tempo inteiro foi substituído por 2, 3 ou 4 trabalhadores a tempo
parcial, com remunerações horárias metade ou menos do que as remunerações
anteriormente praticadas.
E assim se
vai fazendo o “ajustamento”. Chegados ao fim do período de ajustamento todos
nos diziam que o esforço e os sacrifícios teriam sido grandes, mas que teria
valido a pena porque finalmente estaríamos livres.
Só que o que
era verdade aqui há uns meses já deixou de o ser. A Sr.ª Ministra das Finanças acaba
de lembrar que ainda é muito cedo para deitar foguetes: “A recuperação
ocorrerá, mas as pessoas não podem ter a expectativa de voltar ao que era nesse
sentido, porque o que era não existe. A realidade que tínhamos antes em boa
parte era uma ilusão de prosperidade e essa realidade não existe”. Talvez já
lhe tenham puxado as orelhas, até porque veem aí as eleições europeias; mas o
que se há-de fazer, fugiu-lhe a boca para a verdade!
Para que se
não volte “ao que era” não deixará de, complementarmente, se exigir que se
venha a adotar um “programa cautelar”. A sua contratação terá como consequência
que o protetorado continuará. A austeridade continuará vivinha. Os polícias
internacionais até poderiam aceder a que o programa cautelar fosse dispensável
se o governo em funções permanecesse ao longo dos tempos. Só que há sempre um
risco de com as diversões eleitorais ver chegar ao poder outra gente que seja
mais mal comportada e, assim, mais vale a pena prevenir do que remediar.
Que fazer?
Não me parece que haja outro caminho que não seja o de, face à expropriação do
Estado Social reunir forças para expropriar o “capital” acoitado debaixo da
manta de um sistema financeiro que se encontra globalizado. E isso é possível?
Claro que é, mas para isso será necessário deixarmos de nos comportar como o
menino que diz à professora: “ Oh senhora professora, quem se está a comportar
mal não sou eu, é aquele menino da camisola às riscas azuis e brancas”.
E aqui está a
história de como o ladrão se transformou em carcereiro.
Caro Manuel Brandão Alves,
ResponderEliminarExcelente história que devia ser contada a todos os portugueses. Parabéns pela clareza e poder de síntese!
Nota: Só valeria a pena corrigir a forma do verbo vir (vêm e não veem) na frase "...vêm ai as euroepeias" (antepenúltimo parágrafo)
Álvaro Fonseca
Lisboa
Tem toda a razão! Obrigado e as minhas desculpas
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