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29 setembro 2013

Sentido proibido

Não venha por esta via, continue nessa onde vai: é o que nos diz o sentido proibido, se queremos tomar, por exemplo, um desvio por onde pensamos que iríamos mais depressa.
Mas não venho aqui falar de segurança rodoviária. Estou, com a metáfora, a falar de segurança laboral, isto é, de um mínimo de segurança na relação trabalhador – patrão.
Vem isto a propósito do recente Acórdão do Tribunal Constitucional sobre uma lei (Lei nº 23/2012 de 26 de junho, que entrou em vigor em agosto desse ano) que fez alterações ao Código do Trabalho e de que alguns artigos foram sujeitos a apreciação de constitucionalidade a requerimento de 24 deputados da oposição. A comunicação social tem-se referido ao Acórdão e o jornal PÚBLICO de ontem, 27, traz uma síntese do que foi declarado inconstitucional - o tal sentido proibido - e do que não o foi - a tal via que o governo pode continuar a seguir.
Não sendo jurista (embora tenha convivido muito com o direito do trabalho) e tendo em conta o contexto de um simples post, não vou entrar em análises do Acórdão. Mas não deixo de observar desde já que não é, de modo nenhum, um acórdão que põe em causa a via que o governo segue. E, por isso, várias das disposições cuja apreciação se requeria, mantêm a sua validade porque o TC não as considera inconstitucionais (referentes aos bancos de horas por acordo, redução de compensações relativas a trabalho extraordinário ou as que alguns contratos colectivos previam por despedimento colectivo, eliminação de feriados, majoração de dias de férias por assiduidade, despedimentos por baixa de produtividade ou qualidade da parte do trabalhador).
 Não é, pois um acórdão contra a Troika. De facto até dá relevância ao Memorando. O TC evidentemente não apresenta como fundamento da sua decisão disposições do Memorando, mas faz-lhe uma referência razoavelmente detalhada no seu nº 11 (na parte II – Fundamentação), na qual se fala também do acordo com “…a maioria do parceiros sociais com assento na Comissão Permanente da Concertação Social” e que enquadra nos “trabalhos preparatórios da Lei nº 2372012…”, não deixando porém de assinalar que “em relação a reformas desta natureza, as apreciações são muito diversas, ainda que, em geral, salientem a coerência material com as exigências do citado Memorando de Entendimento”, citando vários autores dos quais alguns são muito críticos da reforma da legislação laboral pretendida pela Troika e posta entusiasticamente em execução pelo actual governo.
Mas voltemos ao sentido proibido. Neste acórdão, isso significa que é (embora minimamente) contrariada a arbitrariedade de dois poderes: o governamental e o patronal.
Contra a arbitrariedade governamental está a declaração de inconstitucionalidade de duas normas que pretendiam (e fizeram-no enquanto estiveram em vigor, afinal tornado agora sem efeito) anular disposições de contratos colectivos referentes a descanso compensatório por trabalho extra e a aumento de duração de férias. Também a pretensão de fazer cair automaticamente para metade os valores de pagamento de trabalho suplementar previstos em contratos colectivos não revistos ao fim de dois anos foi declarada inconstitucional. Ou seja, a contratação colectiva tem que funcionar como uma reserva mínima de segurança de algumas condições de trabalho. Quando (como se mostra no PÚBLICO de 3/8/2013) os trabalhadores abrangidos por contratação colectiva diminuíram de 1.270000 em 2010 para 194500 em 2013, isto não deixa de ser importante. E todos sabemos que a contratação individual, só por si, deixa a maioria dos trabalhadores indefesos.
Mas é sobretudo contra a arbitrariedade patronal (claro, apoiada pela política de legislação laboral do governo) que este acórdão é um pequeno travão ou um sinal de atenção: “não vão por aí!”. Nem fica ao livre arbítrio do patrão estabelecer os critérios para despedir qual ou quais trabalhadores “por extinção do posto de trabalho”, nem se exime o patrão de fazer um esforço para encontrar posto compatível, porque o contrário “lesa desnecessária e excessivamente a segurança no emprego”. E também o pretexto da inadaptação deixa de ser abusivamente utilizado.
A nossa cultura é dominantemente autoritária e grande parte do patronato (do pequeno ao grande) é adepto do “quero, posso e mando”. Numa situação em que o medo é, em tantas empresas, o ar que se respira, ainda bem que surgem estas pequenas travagens ou sentidos proibidos.

Mas não embandeiremos em arco, como alguns parece terem feito. Como diz A. Monteiro Fernandes em artigo de hoje (PÚBLICO, pg. 17) “…trata-se de um acórdão generoso e tolerante…; tudo o que de legítimo podia invocar-se, na perspectiva racional das empresas…foi acolhido e adoptado como fundamento de decisões”. E acrescenta: “para uma lei economicamente inútil e socialmente nefasta, não se podia exigir mais”. 

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