A comunicação social internacional tem trazido a público o exemplo paradigmático da Serco, uma grande empresa transnacional de capitais britânicos que, paulatinamente, vem estendendo os seus negócios às mais variadas áreas dos serviços públicos, apresentando-se como especialista, entre outros sectores, na gestão de prisões, de instituições públicas de assistência social, de hospitais e serviços de saúde, de programas de reinserção social de jovens delinquentes, de centros de acolhimento de imigrantes e, inclusive, como fornecedora de serviços de detenção remota de riscos nucleares…
A lógica que preside à estratégia da Serco, como sucede, aliás, com as demais empresas transnacionais, é a maximização dos lucros dos capitais investidos, a qualquer custo, incluindo o recurso à corrupção, declarada ou larvar, do poder político e administrativo, de modo a poder escapar ao cumprimento das leis dos países onde está implantada, leis laborais, tributação fiscal, regras ambientais, etc. É que empresas como a Serco, em muitas circunstâncias, são, economicamente e politicamente, mais poderosas do que os próprios Estados que subcontratam os seus serviços.
Como lembra Antony Loewenstein, num artigo publicado hoje pelo jornal The Guardian, o debate sobre o capitalismo assume, agora, uma importância fundamental, porque a crescente tendência para o outsourcing, que varre os serviços públicos nos mais variados contextos geopolíticos, constitui um plano inclinado para o progressivo esvaziamento do poder e do papel do Estado e uma séria ameaça para a salvaguarda dos direitos humanos e do bem comum. Isto não é uma conspiração ou um acidente, é o próprio sistema económico em que o vasto mundo vive e respira diariamente. O capitalismo cultural é uma religião e os seus seguidores distribuem-se pelos partidos políticos, as empresas, os media, os comentários populares. Ver aqui.
Também em Portugal este debate deveria merecer redobrada atenção, em vésperas de novas privatizações anunciadas, designadamente os correios, o abastecimento de água às populações, as escolas ou os transportes, que bem podem passar para as mãos de quaisquer grupos financeiros, nacionais ou transnacionias, perdendo o seu carácter de bens públicos de acesso universal.
A história das privatizações já ocorridas no passado recente ilustra bem a ameaça que pesa sobe as sociedades entre o fracasso dos negócios e o desastre para a qualidade de vida dos cidadão, a coesão social e o bem comum que lhes estão associados.
Até parece que qualquer dia ou quase sem darmos por isso estamos num ambiente cultural em que terão a desfaçatez de perguntar: mas isso de democracia cria valor? é management eficiente? É que começamos a estar cheios de factos consumados, os quais resultam de processos do tipo pouco a pouco. Por exemplo, primeiro acaba-se com a expressão serviços públicos, passa a ser serviços de interesse geral; depois ou paralelamente defende-se à outrance a liberdade de concorrência e portanto qual Estado qual quê, esses serviços terão que ser assegurados por entidades empresariais e, como tal, sujeitas às regras do(s) mercado(s), consequentemente abertas a qualquer capital, ou seja porque não da tal Serco? Esvazia-se o Estado, torna-se irrelevante a democracia, é essa a lógica. Há que pará-la!
ResponderEliminarExcelente e oportuno o texto da Manuela Silva e assertivo, o comentário do Cláudio.
ResponderEliminarHá, no entanto, que ir além com uma outra questão: será, apenas, porque procuram maximizar o lucro,
que as empresas privadas são incapazes de dar resposta adequada à satisfação das necessidades de bens e serviços públicos?
Creio que não. Há múltiplas outras razões que deveríamos ter, permanentemente, sobre a mesa, de que a menor não é, por ex., a incapacidade das empresas privadas conceberem a prestação de bens e serviços públicos numa lógica de rede e de interdependências.
Very important discussion.
ResponderEliminarI agree with Manuel. The issue around the investment of the Anglican Church illustrates this. How difficult it is to maintain coherence in a world in which we live!
Archbishop Welby criticized Wonga (seen to have usurious practice, where annualized interest rates go up to almost 6,000% - yes, there are 3 zeros!), to later find the Anglican Church's pension fund has an indirect investment in Wonga via a venture capital fund.
Yes, it is a long process. First, personal change is necessary (motivation for behavior) and institutional change comes thereafter.
But there is always a beginning. With the Catholic Church, for example, we have the arrival of Pope Francis. Now we are hopeful for reform in the Church and possible the world.