Durante uma
grande discussão entre dois consortes, um deles vira-se para o outro e diz:
sabes, nada disto aconteceria se tu não fosses um grande teimoso.
O segundo
logo respondeu: estás “parvo” ou quê, um grande teimoso és tu!
Quando
assisti a esta discussão eu ainda era pequeno; fiquei muito preocupado e
disse-me: afinal como é que se vai saber quem é o teimoso?
Cheguei a
casa, encontrei o meu avô, meu confidente para estas coisas de compreensão da
vida, e contei-lhe a razão da minha ansiedade. Ele logo me disse: oh meu rapaz,
não te preocupes, isso explica-se facilmente. Então tu ainda não te deste conta
de que nunca há um teimoso sozinho; para que haja um teimoso tem que haver pelo
menos mais um.
Foi um
ensinamento que, ao longo do tempo, muito me tem servido como lição de vida.
Recordei-me
deste episódio a propósito do que tem vindo a ser designado como “a greve dos
professores às avaliações” e das notícias que sobre ela têm vindo a público. O
Ministério da Educação tem vindo a pronunciar-se sobre a greve referindo, algo
de parecido com o seguinte:
- “O Ministério tem ouvido os
professores e os sindicatos e já cedeu e negociou em tudo o que havia para
negociar; só por mera “teimosia” dos professores e sindicatos é que se pode
dizer que poderão iniciar, agora, uma greve e ainda por cima uma greve às
avaliações, incluindo os exames”;
- “A greve é uma atitude grave
irresponsabilidade, que não tem em conta os interesses, quer dos alunos, quer
dos pais. Os sindicatos não têm escrúpulos em tomar os alunos como seus reféns”.
Nada disto me
parece ter qualquer sentido. Em relação ao primeiro ponto talvez devesse haver
por aí um avozinho que lembrasse que nunca há só um teimoso. Mas seria
necessário que se estivesse disposto para ouvir o avô.
Quanto à
falta de responsabilidade, se ela decorre da limitação à possibilidade da
realização de avaliações, então talvez devesse ser perguntado porque é que o
Ministério não responde positivamente aos sindicatos para que não seja acusado
de irresponsabilidade por as avaliações não poderem ter lugar.
Há, no
entanto, uma questão mais de fundo que não pode ser escamoteada. A greve que
está prevista nos ordenamentos jurídicos de todos os países democráticos tem,
naturalmente, o pressuposto de que se está a levar a cabo uma ação que vai
prejudicar alguém: os patrões, no caso das empresas privadas, as administrações
e os utentes dos serviços públicos, no caso das empresas e serviços públicos. É
através desse prejuízo que, caso se tenham esgotado todas as outras vias de negociação,
quem desencadeia a greve pretende forçar a outra parte a poder aproximar-se dos
objetivos reivindicados.
Assim,
dizer-se que o direito à greve é um direito inerente ao funcionamento de todas
as democracias mas, simultaneamente, exigir ou pretender que a greve se desenrole
sem provocar prejuízos, ou prejuízos graves, a ninguém é um completo disparate,
pois fica sempre a questão de saber quem vai avaliar se os prejuízos são graves
ou não.
Naturalmente
que se pode recorrer aos tribunais para fazer essa avaliação e tal também está
previsto em todas as democracias através de figuras como “os serviços mínimos”
ou, em casos mais graves a “requisição civil”.
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