Uma das espécies de ratazanas, que tem vindo a provocar
graves danos é a que tem andado associada aos processos de ordenamento do
território e, mais especificamente, aos processos de urbanização. Não pretendo,
agora, abordar todos os cambiantes caracterizadores, quer das ratazanas, quer
dos estragos causados mas, apenas, fazer uma nota sobre as inundações e
derrocadas verificadas na costa norte da Madeira no princípio da semana
passada.
A quem esteve minimamente atento não terá passado
desapercebida a violência das enxurradas, correndo pelas ribeiras e fora delas,
bem como a destruição que a enxurrada ia fazendo em habitações, infraestruturas
sociais, vias de acesso, viaturas, etc. Verificada a violência, não terão sido
poucos os que se interrogaram sobre o porquê de tal rasto de destruição.
Muitos, certamente, terão dito que sempre foi assim e pouco
poderemos fazer para o evitar. Outros, entre os quais me incluo, terão
procurado outras respostas. E a resposta mais certeira é a que resulta da
tentativa de compreensão do processo de urbanização e construção associado às
edificações que foram destruídas, ou poderiam tê-lo sido.
Não terá escapado a ninguém que a maioria dos estragos se
verificou em construções implantadas no leito de cheia das ribeiras.
Certamente, que, não é a primeira vez que um tal rasto de destruição teve
lugar. Poderemos, então, perguntar-nos: será que aquela gente não aprende nada
com as experiências do passado, de modo a deixar de construir onde já anteriormente
se verificaram destruições?
Aprendeu, com certeza e, por isso, a explicação tem de ser
procurada fora da experiência das populações. A verdadeira explicação tem que
ser encontrada na falta de terrenos disponíveis para a construção por parte das
famílias mais carenciadas. Com efeito, na Madeira, como no Continente, os
terrenos para construção estão sujeitos a uma forte especulação fundiária.
Na ausência de medidas de ordenamento urbanístico adequadas,
os melhores terrenos vão sendo transformados em reservas para construção, quer
para habitações de famílias mais ricas, quer para empreendimentos turísticos,
quer para infraestruturas públicas ou outras. Para os que têm menos rendimentos
restam os espaços em que mais ninguém quer construir.
Assim, vemos nascer aqueles cogumelos de casas brancas onde,
mais cedo ou mais tarde, vai voltar a passar a enxurrada que, atrás de si leva
as casas como de castelos de cartas se tratasse. Mas há que reconstruir o que
ficou destruído, porque não há mais lado nenhum onde construir, sendo
bem-vindos os subsídios que o Governo Regional possa trazer para que se
reinicie o processo!
É a lógica de alguns “comendadores” que, depois de terem
passado a vida a beneficiarem de negócios em que foi explorada a mão-de-obra
que empregavam ou os clientes que subordinavam, resolveram, como que por ato de
arrependimento, passar a ser benfeitores, lá na terra, da igreja, dos lares, da
banda de música, etc.
Foi o que, também, aconteceu com a grande cheia de Lisboa de 25 para 26
de Novembro de 1967. Fala-se em mais de 700 mortes. O que aprenderam os
decisores políticos? Nada! A intensidade da urbanização nos leitos onde
se verificaram maiores destruições mais do que duplicou. O que virá a
contecer? Só Deus o saberá, mas os homens que decidem tinham obrigação
de, também, saber.
E então não há nada a fazer? Claro que há. O que há a fazer,
é fazer o que fazem todos os países, ou territórios, que já resolveram o problema,
ou seja, constituir, como pública a posse do solo urbanizável. Quando tal acontece, é
possível planear o que se deve, ou não, construir em cada local, começando por
proibir a construção em leitos de cheia. Para além disso, a afetação de cada terreno a determinado uso, pelas
administrações públicas, elimina o escândalo
que é a apropriação privada de mais-valias de localização e, por essa via,
também, a especulação fundiária.
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