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28 dezembro 2011

Ainda a "democratização da economia"

No post anterior (anteontem, 26), referi contradições entre essa expressão usada pelo primeiro-ministro (na mensagem de Natal) e as políticas governamentais respeitantes ao trabalho e situações de desemprego, acesso aos cuidados de saúde, redução das desigualdades sociais, privatizações e bem comum.
Mas ecos que a expressão tem tido da parte de alguns comentadores são redutores do seu significado. Parece, com efeito, que segundo essas opiniões, “democratização da economia” equivaleria a “libertação” da actividade económica das peias burocráticas que a tolhem (mas não se caracteriza tal burocracia), de excessos de regulação (mas de que regras se queixam?), de “núcleos de privilégios injustificados” (e quais são?). É claro que abrir o acesso à actividade económica faz parte da “democratização da economia”, mas é muito redutor considerar que ela é apenas ou sobretudo isso.
Sem se pretender apresentar uma “definição” do conceito, talvez valha a pena recordar que o Grupo Economia e Sociedade publicou em 2010, em edição da Comissão Nacional Justiça e Paz um livrinho (69 pp) intitulado “Democracia Económica – Meios e Caminhos”. Da sua 2ª parte consta uma conferência “Da Democracia Política à Democracia Económica” (pp.43-53) proferida pelo Prof. Ladislau Dowbor (economista, professor da Pontifícia Universidade Católica – São Paulo) em 20/10/2009 na Fundação Calouste Gulbenkian. Constam também os textos de comentários do Dr. José da Silva Lopes e do Dr. João Rodrigues (economista, investigador do CES da Universidade de Coimbra).
Sem apresentar “definições”, destacam-se seguidamente frases sugestivas do que implica democratizar a economia nos processos – de decisão, de informação, de “prestar contas” – e nos recursos utilizados e nos frutos ou resultados esperados:

- “A nossa democracia tem um grande ausente que são as futuras gerações. E outro grande ausente que são os 4 mil milhões de pobres do planeta. E a Natureza é silenciosa, está sendo destruída, sangrada de maneira absolutamente abominável e também silenciosa. É uma democracia, no mínimo, desequilibrada. É por isso que eu defendo que não basta a democracia política, ou seja, cada 4 anos chamam-nos para colocar um papelzinho numa caixinha e dizem que somos livres. Acho que temos de criar processos decisórios que permitam que os recursos sejam utilizados de acordo com as nossas necessidades, os nossos ideais e com a nossa prosaica qualidade de vida. Este é o eixo central do que chamaria um mínimo de ética.” (pag. 46).
- “Quando as decisões são democráticas, quando os diversos actores interessados, os chamados stakeholders são ouvidos, os resultados são mais equilibrados, ou seja, as decisões democráticas são mais eficientes.” (pag.47).

- “O PIB não mede se as pessoas estão a viver melhor. Mede quanto gastamos…Quando não funciona o sistema de lixo, jogam-se pneus e fogões velhos para o rio em São Paulo, por exemplo, o que obriga a prefeitura a contratar empresas para desassorear o rio. São grandes contratos que aumentam o PIB…” (pag.52; em outro texto, Dowbor, a propósito do PIB escreve “estamos fazendo a conta errada”).

- A importância da participação ao nível local é enfatizada assim: “O último ponto que queria citar é que vivemos num local determinado. E é lá que podemos participar. Essa descentralização que encontramos na Suécia, na Dinamarca, no estado de Kerala, em diversas cidades brasileiras é que permite as mudanças que se estão a fazer no sentido mais positivo. Não resolve tudo. Claro que precisamos de políticas nacionais, de sistemas de concertação internacional,etc. Mas, na realidade, é no local que podemos realmente participar.”

E a consciência de que os problemas de dimensão local devem ser foco de actividade económica e de que esta pode ter por objectivo a resolução de problemas sociais (economia social solidária, microcrédito, empresa social ou “social business” nos termos de Muhamad Yunus) são aspectos que a 1ª parte do livrinho acima referido enquadra no contexto mais amplo e complexo da globalização actual, especialmente na conferência do Prof. Mário Murteira (em 28/04/2010) a que deu o título interrogativo “A caminho de uma nova ordem económica?”. Os textos comentários são dos Professores José Castro Caldas e José Manuel Pureza, da Universidade de Coimbra.

(Observações:
- O prof. L. Dowbor desenvolveu o conceito de “democratização da economia” em “Democracia Econômica – alternativas de gestão social”, Editora Vozes, Petrópolis, 2008;
- O livro “Democracia Económica – Meios e Caminhos” tem introdução da Prof.ª Manuela Silva e a coordenadora da sua edição é a Drª Eduarda Ribeiro)

1 comentário:

  1. Obrigada Claudio, por nos recordar o que devemos entender por "democracia económica". Permito-me acrescentar mais algumas frases do citado livro da Comissão Justiça e Paz: "É muito importante para mim entender a ciência económica comoum sistema de pactos, que exige uma visão democrática dos processos decisórios" Mais à frente, e citando Bertrand Russell, Dowbor referia que embora as dinastias de poder político estivessem ultrapassadas, as dinastias de poder económico continuavam.

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