Segundo as recentes propostas do governo, e na linha do “Memorando de Entendimento”, despedir não só será mais barato, reduzindo-se as indemnizações, como será mais fácil. Para isso fazem-se uns “ajustamentos” aos motivos para despedir.
Como não se conseguiu fazer vingar a ideia de “razão atendível” (que Passos Coelho chegou a propor para substituir a “justa causa”), arranja-se um pretexto, mas disfarçado de razão objectiva. Aliás, é de “objectivos” que se fala no próprio “Memorando” (ponto 4.5) Já não chega deixar de ser obrigatório (mesmo ponto 4.5) que haja “introdução de novas tecnologias ou alterações no local de trabalho” para poder invocar-se “inadaptação” do trabalhador a essas mudanças. É preciso haver mais flexibilidade. Então arranja-se um “pretexto”: o tipo não serve, é inapto para este posto de trabalho, porque não cumpre os “objectivos acordados” com a entidade patronal. Pelo menos, no texto do “Memorando” o tom de pretexto é iniludível na redacção: “…Entre outras pode ser acrescentada uma nova causa justificativa (sublinhado meu) nos casos em que o trabalhador tenha acordado com o empregador atingir determinados objectivos e não os cumpra…”.
Alguém acredita que, na esmagadora maioria dos casos e dada a maioria esmagadora de micro e pequenas empresas, pode haver alguma verdadeira negociação e acordo sobre objectivos quando o trabalhador é contratado, ou durante a sua permanência na empresa? Que poder tem o trabalhador nessa situação? Uma grande parte de micro e pequenos empresários saberá mesmo determinar objectivos e metas? Ainda por cima, nesta questão há quem argumente que tal proposta governamental (e “troikiana”) tem já o precedente de existir no Código do Trabalho: pode haver despedimento por inadaptação para pessoal “afecto a cargo de complexidade técnica ou de direcção” se não cumprir objectivos acordados com a entidade patronal (art. 374º-2). Como se houvesse equivalência entre situações de funções directivas e situações de funções de execução!
Mas vamos lá, por exemplo, marcar objectivos para um empregado de mesa de um restaurante: percentagem de clientes satisfeitos. E como é que se sabe: por questionário?! ou pela percentagem de sorrisos dos/das clientes? Mas, nesta hipótese, pergunta-se: e as “caras de pau” que não mostram a satisfação, mesmo que eventualmente a tenham? Podíamos continuar com interrogações... Nem vale a pena arranjar exemplos noutros sectores. Não é o sector de actividade que é determinante, é o nível organizativo, de que a dimensão empresarial é apenas uma das componentes.
O resultado desta pretensa “objectividade” dos “objectivos” será o reforço da arbitrariedade patronal, tão própria da nossa cultura autoritária que leva a comportamentos do “quero, posso e mando”, com muito maior frequência do que noutros países europeus.
Banalizar o despedimento (é disto que se trata com esta flexibilização) para “promover o emprego”?! Não há nenhuma prova ou evidência de ligação entre uma coisa e outra, mas “eles” insistem.
Relendo os 12 motivos do artigo do Código do Trabalho sobre “despedimento com justa causa” (art.351º, em que até consta “reduções anormais de produtividade”), acrescentando-lhe o artigo sobre “despedimento por inadaptação” (art.372º) e o do “despedimento por extinção do posto de trabalho” (art.367º), e ainda as disposições sobre “despedimento colectivo” (art.359º) não vejo como se pode estar a exigir “mais flexibilidade”, a não ser para tornar o despedimento uma situação banal, e é afinal disso que se trata.
Será indigno (pelo menos) que quem promova esta banalidade pretenda falar de dignidade do trabalho.
O problema, os próprios patrões reconhecem isso, não está na lei laboral. Nem se percebe muito bem porque raio continuam "eles" a insistir no tema. Embora a minha opinião não faça grande escola acho que parte significativa da solução para os nossos males passaria por todos pagarmos o que devemos uns aos outros. Não há dinheiro? Bom, então é começar a poupar e - com o Estado a dar o exemplo - deixar de fazer despesas que não temos condições de suportar.
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