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27 maio 2011

A Grande Ajuda, o Grande Empréstimo e os riscos do Abismo

Os contactos estabelecidos recentemente, em Lisboa, entre as autoridades portuguesas e os representantes da EU, do BCE e do FMI, terminaram com a celebração de acordos entre as partes, cuja componente principal é a concessão de um empréstimo global no valor de cerca de 78 mil milhões de euros (equivalente a um pouco menos de metade da produção – interior – nacional).

Têm vindo os órgãos de comunicação social, os comentadores de política, e de economia e muitos responsáveis políticos, a designar esta operação como “grande ajuda ao nosso país”. Sem ela, segundo eles, cairíamos, facilmente, no abismo. No entanto, mesmo sem nos socorrermos de qualquer valoração de carácter político, vale a pena interrogarmo-nos sobre se a utilização do substantivo “ajuda” é adequado nas actuais circunstâncias.

Considerando os critérios da OCDE, para classificar os fluxos financeiros que se processam entre países como sendo, ou não, ajuda externa, não se pode concluir que os 78 mil milhões que, por tranches, vão periodicamente chegar a Portugal, possam ser considerados como uma ajuda. Nele não encontramos qualquer componente de “dom” (donativo), para que o possamos classificar como ajuda.

Mesmo assim poderíamos perguntar-nos se não pode ser considerado ajuda o facto de o empréstimo ser concedido a uma taxa de cerca de 5% de juros anuais, quando as colocações de dívida no mercado ameaçavam poder vir a ultrapassar o limiar dos 10%. Para se poder dar uma resposta teremos que nos interrogar sobre a justeza da “norma” (o normativo).

Para quem considerar que o normativo é a taxa de 10% sugerida pelos mercados, o facto de se poder vir a pagar uma taxa de 5% é, claramente, uma ajuda (50% de dom na taxa de juro). Contudo, a evolução dos acontecimentos e a passagem do tempo encarregaram-se de nos demonstrar que a taxa de 10% não é, de facto, uma taxa normal e não pode, por isso, ser tomada como uma taxa de referência. Com efeito, todos, ou quase todos, já compreenderam que os níveis, cada vez mais elevados de taxas de juro da dívida, que se diz verificadas nos “mercados”, são, apenas, uma consequência da cartelização dos mercados financeiros e das agências de rating, que aí intervêm a mando dos investidores. Nada que nos deva surpreender: as agências de rating mais não fazem do que procurar prestar bons serviços aos seus clientes (os investidores); a qualidade do serviço que lhes prestam será, por isso, tanto maior quanto mais elevada for a remuneração que para eles é conseguida. Portanto, quanto maiores forem as taxas de que fazem extorsão aos países que colocam a dívida, tanto melhor.

Para que as agências não tivessem este comportamento seria necessário que os Estados tivessem a lucidez de lhes impor normas regulamentadoras do comportamento dos mercados. De facto não o fazem e é, por isso, que tanto se tem falado de desregulamentação dos mercados financeiros. E porque o não fazem? A razão é simples: é que, também, os Estados, os seus cidadãos e as instituições (por ex. fundos de pensões) que se pressupõe que eles deverão proteger estão, também, interessados em que a desregulamentação continue, por que desse modo crescem os seus benefícios.

Mas podemos perguntar-nos, em tudo isto onde é que está escondida a solidariedade entre os países constituintes de um mesmo bloco (por ex. os da União Monetária)? Bem se poderia dizer que é nisto que se traduz a solidariedade entre os países da União Monetária (ver a este propósito o post anterior intitulado A estratégia da aranha”).

Chegados aqui, poderemos perguntar-nos porque é que, sendo assim, e tendo os mercados financeiros conseguido chegar ao patamar de taxas de juro de 10%, não continuaram a estratégia até aí adoptada e antes começaram a incitar Portugal a recorrer aos Fundos. A explicação é simples: assim como o agricultor que tirou tanto leite à vaca, que a ia matando, resolveu voltar a alimentá-la para que voltasse a dar leite, também os “mercados” entenderam que se continuassem a espremer poderiam correr o risco de não ver a dívida reembolsada.

Voltemos ao “grande” empréstimo. Creio ter mostrado que não há sinais de ajuda. Fica a questão de saber quem é o beneficiário do “grande”: os portugueses, ou prestadores do empréstimo? Com taxas de juro de 5% dizer que os portugueses têm um qualquer apoio é o mesmo que dizer que andamos a arranjar lenha para nos queimarmos. Taxas deste nível, com inflações inferiores são uma remuneração mais do que generosa. Portanto, se o empréstimo é “grande” é-o mas é para os credores.

Poderá perguntar-se se a alternativa não seria o abismo, isto é, a declaração de impossibilidade de reembolso. Já mostrei aqui que havia outras alternativas. Como sabemos elas não foram colocadas sobre a mesa. A questão, agora, é a de saber se, com as condições que foram subscritas para obter o empréstimo, não iremos, de novo, cair no risco do abismo (vide as notícias, em crescendo, de empresas com salários em atraso, para já não falar do aumento da taxa de mortalidade das empresas) sendo obrigados a renegociar com os credores as referidas outras alternativas, mas então, em condições que não poderão deixar de ser mais gravosas.

Não há dia que passe em que não haja, cada vez, mais vozes a partilhar a opinião de que tal será inevitável. No entanto, esta não é uma questão, apenas, de opinião subjectiva. Ela pode ser suportada por robustos argumentos de natureza técnica.

Voltarei ao assunto.

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