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06 outubro 2010

O dinheiro, os bens, as pessoas, a crise
“et pour cause”

Há grande burburinho na Praça, em torno da descoberta do culpado, ou dos culpados da “crise”. No meio da barulheira e da confusão gerada há sempre alguém que se aproveita dos bens do alheio e, antes que seja apanhado, vai enchendo os bolsos.
Isto passava-se nas nossas Feiras de há 30 ou 40 anos, mas algo de muito semelhante acontece hoje, com a crise, mas com níveis de apropriação do alheio incomparavelmente superiores.
E a pergunta é sempre a mesma: como é e porque acontece a crise. A resposta não é fácil, mas as falsas respostas que vão sendo lançadas pelos vários pregoeiros de serviço dificultam a tomada de consciência do porquê e dos caminhos para dela sair.
É possível ensaiar uma resposta que, sem ignorar a complexidade da questão, creio permitirá lançar alguma luz no debate.
Qualquer caloiro de Economia sabe, ao fim de um mês de aulas, que o funcionamento do sistema económico se ordena em função da satisfação das necessidades e aspirações das “pessoas”. As pessoas são, portanto, o fim e justificação de todas as iniciativas no âmbito da economia. No entanto, a satisfação das necessidades das pessoas e suas aspirações não se consegue à custa de algum “maná” caído do Céu, mas à custa da mobilização de meios materiais, de mão-de-obra, de meios financeiros, de tecnologias (factores de produção) e sua combinação (iniciativa empresarial) de modo a que possam ser produzidos bens e serviços.
Permanece, contudo, a questão de saber como se mobilizam e a quem pertencem os factores de produção. Para simplificar ignoremos, por agora, a tecnologia (trabalho acumulado) e centremo-nos sobre o trabalho, os meios financeiros (capital) e a iniciativa.
A quem pertence a força de trabalho? Às pessoas, como sabemos. A quem pertence o capital? A outras pessoas, embora os dois conjuntos possam não ser absolutamente exclusivos. E a iniciativa? Teoricamente poderia pertencer quer aos trabalhadores, quer aos detentores do capital. São conhecidas as razões pelas quais tem pertencido, maioritariamente, aos possuidores do capital. E é aqui que começa a surgir a luz ao fundo do túnel.
Apesar das múltiplas formas de regulação dos poderes públicos ou dos trabalhadores, o que é certo é que os interesses dos detentores do capital tendem a sobrepor-se aos das outras pessoas (maioritárias) que são os trabalhadores. Pelo menos estas pessoas (trabalhadores) deixam de ser o fim último da organização produtiva. De “fim, ou sujeito último” passaram a ser mero instrumento. Nenhuma salvaguarda da “dignidade da pessoa humana” pode, nestas circunstâncias, ter lugar.
Toda a organização do sistema capitalista, em que estamos inseridos, amplifica infinitamente esta contradição entre o Homem fim último de toda a Economia e o Homem reduzido à condição de quase escravo da produção. A Economia deixou de se organizar em função do Homem e passou a sê-lo em função do capital, isto é do dinheiro.
Naturalmente que há outros elementos de explicação: a qualificação das pessoas, o saber acumulado, as potencialidades dos territórios, as potencialidades e limites da globalização, as corrupções individuais ou organizadas, etc. Contudo, quaisquer que sejam os elementos de explicação adicionais, o essencial está na contradição entre os interesses dos que sabem organizar-se para acumular, mais e mais dinheiro (capital), e os interesses da grande maioria das pessoas (do Homem). Não quero com isto dizer que o dinheiro seja prescindível, mas tão só que deve estar subordinado aos interesses do Homem.
Creio que com esta explicação poderemos começar a ver um pouco mais claro onde estão as raízes da crise actual e como se têm formulado as soluções para a superar: o desequilíbrio de interesses entre o poder do dinheiro e o poder dos trabalhadores. Quando a crise se manifesta os bombeiros, que não chegam para apagar todos os incêndios, dirigem-se em primeiro lugar para as faúlhas do sistema financeiro. Só no caso de sobrarem recursos é que se voltam para as labaredas que rodeiam os trabalhadores e, não poucas vezes são os recursos da organização dos trabalhadores (Economia Social) que são mobilizados para reforçarem a luta contra o fogo que se declarou no mundo do dinheiro.

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