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Economia e Sociedade

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 – Pensar o futuro [1]

1.    Apresentação [2]

O grupo Economia e Sociedade (GES) vê com preocupação que o debate político e a opinião pública estejam reféns da urgência de encontrar respostas para os problemas mais imediatos com que o País se confronta no plano interno e comunitário, descurando a necessidade – também ela, obviamente, urgente – da definição de uma estratégia de desenvolvimento, tão abrangente quanto possível, politicamente tão consensualizada quanto possível e socialmente aceite no que respeita a finalidades e objectivos prioritários e recursos disponíveis ou potenciais a mobilizar para o efeito.
Pensar o futuro contempla uma dupla preocupação: promover o entendimento em torno dos objectivos a alcançar num horizonte temporal alargado e contribuir para a construção de uma visão prospectiva, no que se refere à identificação de potencialidades e riscos decorrentes de mudanças demográficas, tecnológicas, económico-financeiras e outras.
Reconhecemos o valor e a urgência de estratégias de desenvolvimento que vão para além dos ciclos eleitorais e sirvam de guia aos governos e demais órgãos políticos, agentes económicos, organizações da sociedade civil e dos próprios cidadãos nas suas respectivas tomadas de decisão no presente e na avaliação dos seus efeitos futuros.
Considerando o actual contexto de globalização e financeirização das economias, bem como o quadro de incerteza quanto a possíveis impactos de ocorrências em múltiplos domínios da vida colectiva (aquecimento global e calamidades naturais, conflitos bélicos mais ou menos generalizados, desregulação financeira e novas crises no sistema, aceleração de inovações tecnológicas e sua incidência na repartição da riqueza e do rendimento, no trabalho humano e no emprego, etc.) entendemos que, em vez de invocar a incerteza para justificar que se prossiga numa navegação à vista, mais se torna imperativo dispor de uma estratégia nacional suficientemente flexível, mas robusta, que vise o desenvolvimento a prazo e dê coerência às decisões mais imediatas.
O GES não tem a estultícia de pretender apresentar uma proposta acabada de modelo de desenvolvimento. Deseja, tão só, oferecer algumas reflexões que procuram ir ao encontro desta necessidade, contribuindo com um conjunto de ideias que têm por objectivo mobilizar a opinião pública em torno da urgência de dispor de um roteiro que conduza a um desenvolvimento sustentável.
Não temos, sequer, a pretensão de elaborar um diagnóstico exaustivo da situação de partida que seria indispensável para alicerçar uma visão prospectiva; no entanto, identificamos um conjunto de áreas temáticas que consideramos como eixos prioritários a ter em conta na construção do nosso futuro colectivo: a demografia (as pessoas e a sua qualidade de vida devem merecer o enfoque principal de qualquer estratégia de desenvolvimento porque são as suas destinatárias e autoras); o território (a sua valorização, os seus direitos, as suas potencialidades e condicionamentos); a revolução tecnológica e a competitividade na economia global; o lugar do trabalho humano e do emprego; a superação da desigualdade excessiva na repartição da riqueza e do rendimento e a erradicação da pobreza; o enquadramento financeiro; o sistema de investigação científica, o conhecimento e a sua difusão e modo de apropriação; o quadro comunitário europeu e o seu futuro.

2.    Sobre o conceito de desenvolvimento
Reconhecendo que o conceito de desenvolvimento enferma, na linguagem corrente e mesmo entre os especialistas, de alguma ambiguidade, ainda assim consideramos que o mesmo tem utilidade como expressão linguística adequada à definição de um objectivo de futuro, desde que nos entendamos quanto ao que pretendemos dizer ao falar de desenvolvimento.
É próprio do ser humano aspirar ao seu desenvolvimento físico, psíquico, cultural e espiritual e empenhar-se em encontrar os recursos para o atingir. Por analogia, podemos dizer que as sociedades humanas também assumem como horizonte desejável o desenvolvimento, identificando-o com o maior bem-estar das respectivas populações e a sua prossecução e sustentabilidade através da valorização dos recursos existentes e do seu emprego eficiente.
O desenvolvimento não pode, porém, confundir-se com um mero crescimento económico, como a teoria e a evidência empírica vêm demonstrando; há, por isso, que denunciar o equívoco de pretender tomar o produto interno bruto (PIB) como medida de referência do nível de desenvolvimento de um país ou região ou de utilizar este indicador para definir objectivos e metas.
Com efeito, nem todo o crescimento económico é virtuoso. Só o será se der origem a maior bem-estar das pessoas e das suas comunidades e a mais elevado progresso social, isto é, melhor nível de educação, saúde, conhecimento, segurança, liberdade e participação; se os seus frutos forem equitativamente apropriados e repartidos por todos os cidadãos, estratos sociais e territórios e, ainda, se for sustentável, quer do ponto de vista ambiental quer em termos de coesão social, ou seja, se obedecer a critérios de ecologia integral.
Assim sendo, compreende-se que o desenvolvimento não deva ser considerado apenas como uma mera questão de economia ou de mais elevada produção e riqueza material, mas terá de envolver sempre outras valências, designadamente a dimensão cultural, ecológica e sociopolítica.
Por todas estas razões, quando falamos de desenvolvimento impõe-se acrescentar alguma adjectivação. Poderão usar-se vários qualificativos e falar de desenvolvimento humano, desenvolvimento socioeconómico, desenvolvimento sociocultural, desenvolvimento sustentável, desenvolvimento participado, desenvolvimento equitativo, etc., no entendimento de que cada adjectivação visa salientar uma desejável dimensão de um mesmo fenómeno: o desenvolvimento integral.
Acresce que o desenvolvimento pode ser entendido como um certo estádio ou patamar a atingir, mas é também um processo para o alcançar, o que impõe que se façam escolhas. Estas, por sua vez, requerem critérios devidamente consensualizados, política e socialmente. Por isso, nas sociedades democráticas é tão relevante o debate de ideias acerca do futuro (objectivos a prosseguir e vias para os alcançar) e bem assim que existam órgãos de representação de vários interesses e estratos sociais, capazes de conceber e manter actualizada uma visão prospectiva e assegurar uma participação efectiva na tomada de decisão e na avaliação permanente da sua implementação e dos resultados alcançados.
As universidades e centros de investigação e cultura, assim como os media, são actores privilegiados a convocar na construção de um processo de desenvolvimento.
Subjacente a um qualquer desígnio de desenvolvimento está sempre presente certa ideologia, crença e projecto político que importa desocultar. Em nosso entender, todo o processo de desenvolvimento deve estar ao serviço do bem-estar e da qualidade de vida das pessoas e das suas comunidades, respeitar a dignidade da pessoa humana e o valor da Vida, reforçar a solidariedade e a coesão social e territorial, salvaguardar a sustentabilidade ambiental, a preservação da natureza e a biodiversidade, ter em conta as gerações futuras.
Enquanto processo, o desenvolvimento deve basear-se na valorização e aproveitamento dos recursos existentes, conhecidos e potenciais: recursos humanos (capacidades e qualificação das pessoas), bens materiais, conhecimento, património físico e cultural, recursos institucionais (públicos e privados).
É dentro deste quadro de referência que nos propomos apresentar um conjunto de temas de reflexão que consideramos pertinentes para a construção de uma estratégia de desenvolvimento que, como já dissemos, assumimos ser uma tarefa da maior relevância e inadiável.

3.    A demografia e o desenvolvimento [3]
A demografia é um factor primordial a ter em conta na construção de uma estratégia do desenvolvimento, tanto pelas necessidades a satisfazer como em termos de recursos humanos a potenciar. Por outro lado, nos Estados com sistemas de protecção social mais abrangentes, há que considerar também as consequências da transição demográfica (ou seja o declínio da mortalidade seguido de quebra da natalidade) sobre a sustentabilidade financeira daqueles sistemas (sobretudo saúde e pensões) e o contrato social, em geral.
 Não basta saber quantos somos, importa conhecer a repartição da população por diferentes faixas etárias e territórios, bem como a tendência de evolução demográfica, por efeito conjugado das taxas de mortalidade e de natalidade, sem esquecer também o impacto de possíveis movimentos migratórios.
Vimos assistindo, desde meados do século passado, a alterações significativas no padrão demográfico nacional, designadamente a um maior grau de envelhecimento da população (mais idosos e menos jovens) e também a acelerados movimentos migratórios (imigração e emigração).
Acresce que esta evolução não ocorre de modo homogéneo em todo o País, havendo que salientar a concentração urbana em alguns territórios e o despovoamento acompanhado de envelhecimento severo noutros.
Estes fenómenos estão diagnosticados, mas estamos longe de possuir uma avaliação rigorosa do seu impacto sobre a capacidade da sociedade, tal como está organizada, para absorver, de modo satisfatório, a profunda alteração decorrente da pirâmide etária.
É nossa convicção que só uma abordagem multidisciplinar e prospectiva pode antecipar os efeitos da evolução demográfica em curso e identificar os instrumentos para enfrentar os desafios que venham a ser detectados. Esta tarefa afigura-se urgente e deverá constituir uma trave-mestra da construção de uma estratégia de desenvolvimento e a correspondente indispensável actualização do contrato social.
A - O envelhecimento demográfico como fenómeno multifacetado
O panorama que as estatísticas e as projecções demográficas nacionais nos apresentam é suficientemente grave para impor a necessidade de procurar integrar a componente demográfica num verdadeiro plano de desenvolvimento da economia e de promoção do bem-estar social.
Se o envelhecimento demográfico for apresentado com as características de um fenómeno “fatal”, corremos o risco de negligenciar os factores de ordem económica, social, cultural ou política que, actuando sobre a fecundidade, a mortalidade e as migrações, podem contribuir para acelerar ou para retardar o seu avanço.
Tendo como adquirido o ganho civilizacional que é o prolongar do tempo de vida, importa que esse tempo extra seja, para todos e para cada um, de vida plena e saudável, em que a idade maior seja compatível com a integração na sociedade e a realização pessoal dos que a alcançaram. O prolongamento da vida activa dos idosos, indo ao encontro das suas aspirações, surge como uma tendência das sociedades mais avançadas, mas ainda longe de um nível de concretização aceitável no nosso País.
No tocante à evolução da fecundidade, ao contrário do que tem sucedido a nível europeu, a quebra em Portugal tem-se acentuado continuamente, sendo as famílias levadas a reduzir o número de filhos por razões que se prendem, maioritariamente, com dificuldades financeiras para fazer face aos encargos com a maternidade e a paternidade, com a dificuldade em encontrar emprego e com a dificuldade de conciliação entre a vida familiar e a profissional. Em qualquer caso, deve ser tido em conta que os percursos de fecundidade das pessoas sofrem a influência de uma multiplicidade de factores, inclusive de natureza cultural ou de estilos de vida.
É certo que, a nível dos poderes públicos, se tem dado conta da preocupação com o decréscimo do número de nascimentos, mas o objectivo de o aumentar tem sido prejudicado por políticas dispersas e, muitas vezes, contraditórias, que impossibilitam uma abordagem coerente.
O fenómeno migratório tem influenciado, significativamente, a evolução demográfica portuguesa. Entre os motivos que, ao longo de décadas, têm induzido o abandono do País por parte de muitos portugueses jovens, poderemos encontrar um conjunto de opções políticas nem sempre validadas de forma democrática, que conduziram não só a uma real degradação das condições materiais, como a baixas expectativas quanto ao emprego. A fatalidade também neste domínio é questionável.
As consequências do contínuo envelhecimento demográfico sobre o progresso da economia devem ser correctamente avaliadas, sem pessimismos alarmistas, mas procurando a forma de minimizar os aspectos mais negativos e, simultaneamente, valorizando as oportunidades que ele apresenta.
Se o envelhecimento demográfico é irreversível, pelo menos a médio prazo, o mesmo não sucede com o envelhecimento societal, pois a sociedade pode renovar-se em termos da sua organização. É de relevar o exemplo de alguns países, com destaque para os escandinavos, que têm prosseguido políticas públicas, no campo laboral, de apoio à família e igualdade de género, com bons resultados na compatibilização entre a idade maior e a vida saudável e activa.
Há que reconhecer a influência negativa de uma certa cultura que instiga a uma total disponibilidade para o trabalho, traduzida em horários alongados ou em constante mutação, muito cultivada entre nós, que em nada contribui para vidas equilibradas, em qualquer idade. É também preocupante constatar que nas oportunidades de emprego, tanto no sector público como privado, parece já não haver lugar para os maiores de 45 ou 50 anos, o que representa um desperdício inaceitável em termos societários.
A avaliação do impacto do envelhecimento da população activa sobre a produtividade do trabalho, tende, por vezes, a ser efectuada de forma simplista, ao não considerar a possibilidade de adaptar as tecnologias às capacidades dos mais velhos ou ainda ignorando os atributos específicos associados ao ciclo de vida: à maior aptidão dos jovens para inovar há que contrapor as competências de enquadramento e conselho dos menos jovens. Em todo o caso, julgamos necessário acautelar a possível menor capacidade de uma sociedade envelhecida para acompanhar as transformações que a acelerada evolução tecnológica já anuncia.
Este é o desafio que se coloca a todos, economistas, demógrafos, sociólogos, psicólogos: perante o inevitável envelhecimento demográfico, propor um novo modelo de sociedade, capaz de promover, de forma inovadora, a gestão das diferentes idades, a organização do tempo de trabalho, a negociação de um novo contrato social regulador das relações entre as gerações, os sexos e as categorias sociais.
Há que reconhecer e debater que a disponibilidade para tal não é seguramente coincidente: um mesmo aspecto do envelhecimento tanto pode ser visto como um custo que pesa sobre a colectividade como uma oportunidade para potenciar a coesão social ou o próprio crescimento da economia.
B - O impacto das migrações
Merece uma atenção particular a brusca alteração, verificada no passado recente, no tocante aos movimentos migratórios: de uma migração positiva de quase 50.000 pessoas por ano, constante ao longo da década 2004-2013, passou a registar-se uma migração negativa, como resultado da combinação da alta emigração com a baixa imigração. Para tal terão contribuído as elevadas taxas de desemprego que atingiram 16% em 2013, sendo de 38% o desemprego da população jovem.
A manterem-se as tendências recentes, seria de prever algum impacto sobre a quebra da taxa de fecundidade pela saída de grande número de pessoas em idade fértil e não tanto pela menor entrada de imigrantes, já que, entre estes, a tendência geralmente verificada é para que acompanhem os padrões reprodutivos do país de acolhimento.
Para além do impacto da forte emigração jovem sobre o equilíbrio demográfico são também de relevar os seus efeitos sobre a estrutura sócio-económica e a capacidade de desenvolvimento a prazo.
Não há evidência de que uma política de forte incentivo à entrada de imigrantes jovens, possa, por si só, travar o envelhecimento demográfico e, quanto à entrada de imigrantes mais idosos, nomeadamente reformados com poder de compra, o seu impacto será sentido, sobretudo, no campo da economia, com a criação de postos de trabalho que podem ser significativos em algumas regiões.
O descontrolo dos fluxos migratórios internacionais, muito acentuado no passado recente, torna difícil prever o seu impacto potencial numa população como a nossa, relativamente reduzida no espaço europeu, carente de uma política coordenada neste domínio. Tal facto aconselha que se valorize a natural predisposição dos portugueses para o acolhimento de povos estrangeiros.
Em todo o caso, o restabelecimento de perspectivas favoráveis ao desenvolvimento e à criação de emprego é condição necessária para que Portugal volte a ser considerado um país de acolhimento, beneficiando do contributo positivo que o afluxo de imigrantes traz consigo e para que a opção dos jovens portugueses pela emigração, por razões de ordem económica, e, mesmo, de subsistência, não continue a delapidar o precioso capital humano.
C- Envelhecimento e heterogeneidade da população idosa: oportunidades e desafios
De um modo geral a imagem que a sociedade tem da população idosa identifica-a quer como um grupo homogéneo, caracterizado por integrar as pessoas com direito a uma prestação financeira, como contrapartida do final da vida activa, quer como um grupo de pessoas menos válidas
Desta forma, os idosos são vistos como um encargo da sociedade, uma espécie de “sub-capital humano” e não como pessoas com características diversas, detentoras de direitos e com deveres a cumprir.
Aquela visão redutora, que pode dar lugar a exclusão e/ ou conflitualidade social, poderá dever-se a um certo preconceito cultural, mas também à desvalorização ou ao desconhecimento do que pode ser o contributo para a sociedade do saber e da experiência da população idosa.
Desde logo há que desmontar o mito da homogeneidade desta parcela da população: diferente é a situação dos idosos que conservam as suas capacidades físicas e mentais por longos anos, daqueles que desenvolvem múltiplas incapacidades, privando-os de aceder a qualquer forma de trabalho, de realizar, com segurança, as normais tarefas da vida quotidiana e, no limite, de participar na vida social.
Acresce a distribuição desigual do rendimento na população idosa, onde as pensões representam quase 80%, sendo certo que as diferentes posições no tocante ao nível sócio-económico, influenciam o grau de dependência de apoios sociais nas idades mais avançadas, bem como a capacidade de usufruir de um envelhecimento activo.
É com base na constatação da heterogeneidade da população idosa que podem ser avaliadas propostas, por exemplo, no sentido de alterar as disposições legais que determinam a idade de reforma, admitindo alguma flexibilidade, mas respeitando a liberdade da decisão individual. O alargamento da base contributiva assim obtido favoreceria a consolidação do equilíbrio financeiro da segurança social, para além do impacto potencial no adiamento do processo degenerativo próprio do envelhecimento e consequente redução dos custos com a saúde.
Paralelamente, poderiam ser revistas as leis laborais no sentido de admitirem horários de trabalho mais leves ao longo da vida activa, (com benefícios para a saúde e para a conciliação do trabalho com a vida familiar) que, em contrapartida, se prolongaria até idades mais avançadas.
Em qualquer caso, existe o risco do incentivo ao prolongamento da vida activa originar mal-estar social e mesmo um conflito de gerações, especialmente num contexto de persistente desemprego e da perspectiva, que hoje é a dos jovens, de virem a ter as suas reformas muito abaixo dos níveis salariais.
Um outro factor de risco de conflito social decorrente do envelhecimento demográfico prende-se com a enorme carência de investimento público nos cuidados a idosos dependentes e, mais geralmente, para fazer face à morbilidade associada ao envelhecimento e ao custo de novas tecnologias.
Cabendo ao Estado assegurar estes apoios e arbitrar entre os diferentes capítulos do orçamento para a Saúde, colocam-se delicados problemas de equidade financeira entre os diferentes grupos etários.
Em sentido contrário, poderá esperar-se que, com uma população idosa mais educada e com menos pobreza, tenderá a ser adiada para uma idade cada vez mais avançada a necessidade de cuidados de saúde muito dispendiosos, além de que as novas tecnologias podem e devem ser orientadas para, sempre que possível, permitirem economias de custos sem perda de eficiência.
É também muito relevante a persistente desigualdade de género, que penaliza as mulheres, quer na vida profissional, por menores carreiras contributivas, logo com menores recursos ao longo da reforma, quer pelo encargo, frequentemente não remunerado, no cuidar dos idosos.
As perspectivas demográficas, com cada vez maior proporção do grupo dos muito idosos, tornam inadiável uma reflexão acerca da atitude da sociedade e das políticas públicas face às necessidades específicas dessas pessoas e à valorização do trabalho dos cuidadores, muitos destes também idosos e maioritariamente do sexo feminino.
Há pois uma nova cultura a incentivar, implicando uma “ negociação de poderes” entre as gerações e os diferentes grupos sociais, em ordem a uma demografia inclusiva.
D - Envelhecimento e despovoamento do território
As estatísticas evidenciam assimetrias regionais quanto à severidade e à velocidade com que tem ocorrido o processo de envelhecimento demográfico, bem como o despovoamento de territórios e a crescente urbanização.
Julgamos serem fundados os receios de que, em algumas regiões, se tenha atingido um grau de despovoamento quase impossível de reverter.
As consequências desta situação parecem-nos particularmente gravosas, desde logo o isolamento das famílias e pessoas idosas que ainda aí vivem, com muita insegurança e sem que os apoios do estado social a elas cheguem com prontidão e a devida qualidade.
Outra questão que estas tendências colocam é a progressiva dificuldade, quando não a impossibilidade, de transmissão dos saberes e profissões dos mais velhos, tantas vezes de grande valor cultural, os quais poderiam, se devidamente apoiados, constituir um núcleo de desenvolvimento local capaz de fixar alguma população jovem.
Também a velocidade e a forma como os núcleos urbanos estão a crescer, deveria levar a uma reflexão acerca das condições de vida quotidiana, (sobretudo dos idosos com algum grau de dependência), bem como à possibilidade da população de maior idade continuar a usufruir dos bens, materiais ou imateriais, disponíveis na sociedade.
A perspectiva de um modelo de desenvolvimento sustentável, com coesão social e territorial, exige que a todas estas questões relacionadas com a demografia, a economia e o bem-estar social, passe a ser dada a atenção que lhes é devida, tendo sempre presente a forma como se influenciam mutuamente.

4. O Território [4]
O território merece lugar de destaque na concepção e implementação das estratégias de desenvolvimento que têm por foco as pessoas, a economia e a sociedade reais. Contudo, mais frequentemente, o território é ignorado ou tão só considerado como um dado. E, neste caso, quase sempre tomado como uma restrição, quase nunca como recurso potencial e, menos ainda, como sujeito de desenvolvimento.
À semelhança das ciências exactas, a preocupação em introduzir na reflexão económica raciocínios abstractos que permitissem fazer generalizações levou a que, pouco a pouco, o território fosse desaparecendo da ciência económica (porque dificultava as generalizações) ou, se não desaparecia, estava presente como se o território fosse um ponto ou um espaço homogéneo, na óptica do desenvolvimento.
Entendemos que importa superar esta perspectiva errónea, pois todo o desenvolvimento acontece - ou não - num determinado território e este apresenta, sempre, características específicas que não podem ser ignoradas ou subestimadas.
Por território entendemos não só um dado espaço físico, mas a resultante da incorporação nele da acção humana que o foi moldando através do tempo.
A ciência económica foi em parte responsável pela subestimação do território na concepção e nas políticas do desenvolvimento, na medida em que a teoria económica dominante nesta área assumiu como foco o crescimento económico, no entendimento de que dele decorreriam os desejáveis aumentos de bem-estar, progressivo acesso da população à satisfação das suas necessidades, optimização do emprego dos recursos.
Já assinalamos em outros capítulos as consequências nefastas deste pressuposto infundado.
No que respeita ao território em particular, não podem ignorar-se a sua diversidade e as suas especificidades ditadas pela geografia física, mas também pela economia local, o nível de qualificação da respectiva população, a cultura, a história, a natureza das instituições existentes, a maior ou menor interação com espaços mais vastos (regionais, nacionais, comunitários, mundiais).
Num mesmo espaço-nação e, por maioria de razão, em espaços supranacionais, há que ter em conta as disparidades de níveis de desenvolvimento dos diferentes territórios e procurar colmatar as desigualdades existentes, promovendo a equidade e a coesão social, valores indissociáveis da sustentabilidade das sociedades democráticas.
Por outro lado, a questão ecológica vem acrescentar novas vertentes e maior relevância ao território enquanto sujeito do desenvolvimento, porquanto obriga a equacionar as sinergias positivas e negativas que o afectam muito para além dos contornos físicos de uma dada jurisdição administrativa, regional ou nacional. Pensemos, por exemplo, na gestão das florestas, dos recursos fluviais e marítimos, na conservação do património cultural, na extracção de recursos minerais e energéticos, na poluição, nas alterações climáticas, etc..
A - A política da União Europeia e o Território
Nos fundamentos da criação da Comunidade Europeia havia o propósito de fazer do espaço europeu uma grande economia, capaz de ombrear e competir com outros grandes blocos económicos. Por outro lado, entendia-se que a economia europeia não podia ser competitiva enquanto no seu interior existissem tão flagrantes desigualdades territoriais na capacidade de desenvolvimento e na obtenção de resultados. Para além disso, admitia-se que uma maior igualdade reforçaria o crescimento económico e o desenvolvimento no seio da própria União Europeia, na medida em que alargava o mercado interno e favorecia a intensidade de relações comerciais e económicas, tornando o bloco económico europeu mais coeso, produzindo maior bem-estar para os seus cidadãos e melhorando a competitividade face aos outros blocos económicos.
Neste quadro de referência, compreende-se que a preocupação principal da política regional europeia tenha sido a da redução dos desequilíbrios económicos e sociais nos e entre os vários territórios.
O Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) foi criado, precisamente, para dar seguimento a estas preocupações. Por seu intermédio, Portugal e os demais países membros têm podido fomentar a criação de infra-estruturas facilitadoras da mobilidade, programas de reabilitação de património, aproveitamento de recursos potenciais bem como sustentar políticas de correcção dos desequilíbrios existentes no seio de cada Estado-membro.
Importa, porém, ir mais além e ter em conta nas diferentes medidas de política, de nível nacional ou comunitário, a diversidade dos seus respectivos efeitos, directos e indirectos, sobre os territórios regionais e locais. Em particular, há que atender a possíveis consequências do ponto de vista da desertificação, do envelhecimento das populações, do isolamento e da falta de oportunidades para os jovens, do abandono da agricultura, da desintegração e perda de robustez das respectivas economias, da diminuição da sua capacidade para produzir riqueza bem como cuidar de assegurar níveis de vida digna aos seus habitantes.
Em toda esta reflexão devemos ter presente que existem diferentes escalas de actuação sobre o território. Estas interagem, intensamente, tanto em termos horizontais (por ex. umas regiões com as outras) como em termos verticais (por exemplo, as regiões com os espaços nacionais, porventura, de outros países).
B - Atender aos desequilíbrios
Atender aos desequilíbrios implica conhecer a verdadeira natureza dos mesmos e exige compreender como é que as dinâmicas de desenvolvimento se difundem entre os vários territórios, tendo em conta que a capacidade de cada território para produzir riqueza não é uma característica estática. Vai variando ao longo do tempo, já que, com ele, se alteram os recursos e as possibilidades de os valorizar ou, pelo contrário, podem perder mercado bens e serviços anteriormente produzidos e comercializados com sucesso.
Em algumas circunstâncias, pode dizer-se que certos territórios deixaram de ter viabilidade económica e social, colocando-se, então, a questão de saber o que fazer nessas situações. Haverá quem defenda que, se o território não tem viabilidade económica e social, será mero desperdício continuar a investir nele dinheiros públicos e privados e que, nessas circunstâncias, não se deve contrariar a tendência para a emigração dos seus recursos, nomeadamente os humanos, mas deve, antes, aceitar-se que aconteça uma desertificação inevitável.
Aparentemente trata-se de um raciocínio sensato. Convém, todavia, que se tenha presente que ninguém pode garantir que, a longo prazo, um território, que hoje deixou de ter viabilidade, não volte a recuperá-la face ao aparecimento de novas tecnologias, novos mercados ou novas capacidades de combinar os recursos potenciais.
Por outro lado, justifica-se sempre que algumas pessoas tenham de ficar nos territórios em processo de desertificação. Em primeiro lugar pela vontade própria dos seus habitantes mas também porque o território não pode tornar-se em terra de ninguém e é necessário que se cuide, entre outros, dos valores ambientais e da paisagem. Depois, porque a vigilância sobre a possibilidade do aparecimento de novos recursos e capacidades de desenvolvimento é a melhor forma de promover a sua valorização e utilização futura.
Além disso, importa reconhecer que os bloqueamentos com que um determinado território se vê confrontado não têm que ser resolvidos apenas pelas pessoas que lá residem, antes devem ser considerados como um problema que é da responsabilidade de toda a comunidade e que, por isso, deve ser objecto de um consenso social, por ela assumido, tendo como condição que, a todos, os que ficam ou os que partem, deve ser garantido um nível de rendimento e de bem-estar equivalente ao da média dos seus concidadãos com idênticas qualificações e ocupações.
C - Problemas principais da gestão do território português
Do ponto de vista da gestão do território e tendo presente as análises baseadas nos indicadores correntes (PIB por habitante e rendimento disponível das famílias per capita), sobressaem as seguintes conclusões: a grande desigualdade entre diferentes territórios, a extrema lentidão na mudança de situações preexistentes, o papel relevante que as políticas distributivas podem ter na promoção da equidade regional e o efeito limitado das políticas distributivas na potenciação da equidade regional porque estas, só por si, não bastam para fomentar a capacidade autónoma e durável para a criação de riqueza.
Importa reconhecer que para enfrentar estes problemas são necessários dados de diagnóstico, para além dos actualmente disponíveis, para que, a partir deles, se possam sustentar medidas de política que promovam a alteração das situações de desequilíbrio existentes.
D - A autonomia dos territórios
Desde os primórdios da nacionalidade que a construção da mesma se caracteriza por uma enorme diversidade de atributos físicos e culturais e não basta distinguir entre litoral e interior ou norte e sul para chegarmos a uma classificação útil do ponto de vista do desenvolvimento.
A diversidade tem justificado um certo grau de autonomia desde que compatível com fortes sentimentos de unidade nacional. Não são poucas as iniciativas de fomento, dos nossos reis e governantes, em várias partes do território, com vista a criarem robustez para o território no seu todo e, assim, manterem a unidade nacional.
Ao longo dos séculos, o território nacional foi organizado em parcelas (freguesias, concelhos, distritos, províncias, regiões) tendo em vista a desconcentração da administração central e a criação de autonomias que melhor assegurassem a sua gestão.
Ainda hoje, está longe de ser satisfatória a definição de competências aos vários níveis e a correspondente afectação de recursos para um cabal e eficiente desempenho das funções do Estado.
Apesar da sua importância administrativa, as Comissões de Coordenação de Desenvolvimento Regional (CCDR), sendo órgãos desconcentrados da administração central, são hoje, quase exclusivamente, espaços de afectação de financiamentos comunitários e pouca influência têm na definição e implementação de estratégias de desenvolvimento para os territórios da sua jurisdição.
Vale a pena, agora, perguntarmo-nos sobre se, com as dinâmicas económicas e sociais do século XXI, tem, hoje, alguma relevância a existência de regiões num quadro de autonomia.
A resposta é a de que tem e muita. Não se pode querer valorizar a gestão dos territórios e a correcção dos desequilíbrios, na ignorância da existência de regiões.
Apesar dos tempos de aprendizagem que foi necessário cumprir, neste momento, são raras as vozes que põem em causa a necessidade da existência de autarquias locais, pelo relevantíssimo papel que têm tido na promoção do desenvolvimento dos seus territórios.
Em favor da maior autonomia das autarquias apontam-se três ordens de razões: eficácia, eficiência (poupança de recursos) e aumento das potencialidades de desenvolvimento, incluindo a maior participação dos cidadãos tornada possível pela sua maior proximidade dos decisores.
Conhecemos os argumentos que têm sido invocados contra a regionalização, sobretudo em termos de desperdício de recursos e de estabilidade política. Mesmo admitindo que existem desperdícios, o que há a fazer é eliminar as razões que os provocam, que mais têm a ver com a manutenção ou a alteração dos equilíbrios de poderes políticos nas várias regiões e menos com a racionalidade da criação de regiões.
Esta reflexão sobre a criação de regiões é, a nosso ver, uma componente indispensável do diagnóstico da situação do território.
Os bloqueamentos actualmente existentes à criação de regiões podem ter como consequência o agravamento das desigualdades entre os vários espaços territoriais do País.
E - A análise dos desequilíbrios
A forma como agregamos os espaços tem consequências sobre os resultados da medida dos desequilíbrios, o que coloca a questão de saber qual é a metodologia correcta de fazer as partições.
A solução não é fácil e depende de critérios vários. Não é aqui o lugar para desenvolver esta questão, mas sempre diremos que convém conformar as partições com o tipo de relações que estão subjacentes à dinâmica de desenvolvimento que se pretende implementar. 
Tem-se usado, como medida dos desequilíbrios, entre outras, a que toma como referência a partição entre litoral e interior. Mais importante do que os resultados que daí possam decorrer em termos de desequilíbrios, o que é mais relevante são as consequências em termos de medidas de política a adoptar. Considerar o interior como independente do litoral é o mesmo que admitir que os problemas do interior se podem equacionar independentemente daquilo que aconteça no litoral. Ora, não pode esquecer-se que as regiões são espaços abertos e as dinâmicas de desenvolvimento, que ocorrem ou que se devem promover, circulam entre os espaços independentemente das fronteiras administrativas que entre eles tenhamos estabelecido.  
F - Constrangimentos e propostas de futuro
É habitual que os constrangimentos ao desenvolvimento do território sejam enunciados em termos das suas caraterísticas físicas, da (in)capacitação dos recursos humanos, da apetência para criar riqueza a partir dos recursos disponíveis ou potenciais e das suas formas de relacionamento com outros espaços. Há, porém, que também ter em conta os aspectos relacionados com a capacidade de gestão e de governança disponível a nível do território considerado.
A obtenção dos indispensáveis consensos acerca do que é que o País quer fazer com o seu território está longe de ser conseguida, não podendo esse consenso ser deduzido, como por vezes se pensa, a partir da mera reflexão em torno das medidas de programação e financiamento comunitárias.
Para além disso, antes de saber o que se quer fazer no território, há que formatar esse território, autonomizando os espaços regionais a considerar e escolhendo os espaços urbano e rural.
Cabe, ainda, lembrar os aspectos comuns que têm de ser equacionados: os demográficos (natalidade, envelhecimento, migrações, fixação da população); a obtenção de maiores níveis de equidade nas condições de vida da população; o fortalecimento e revitalização da estrutura urbana; a melhoria das redes de transportes e comunicações (não apenas as que facilitam as relações com o exterior, mas também as que permitem densificar o espaço interior de cada região ou localidade); a disponibilidade de serviços de saúde e protecção social; a criação de robustez nas instituições de ensino e formação, pelas sinergias que geram à sua volta; a capacidade em lidar com a inovação; etc..
G - Objectivos a prosseguir
A criação de condições para que o desenvolvimento aconteça constitui, por si só, uma componente das propostas de futuro, mas importa ter sempre presente que estas têm de ser ordenadas em relação a objectivos gerais previamente escolhidos.
Há objectivos que são próprios de cada região, em função das suas características específicas e de objectivos que garantam, no todo nacional, a equidade que for social e politicamente aceitável. Uns e outros visam obter o máximo de bem-estar compatível com os objectivos mais amplos de reprodutividade no futuro, de sustentabilidade dos recursos e de preservação da paisagem e do ambiente.
Não estamos em condições de enunciar objectivos específicos de cada espaço territorial, mas defendemos que, quaisquer que eles sejam, devem ficar subordinados a consensos societários, designadamente os seguintes, que se consideram inquestionáveis:
•    A alteração do modelo de desenvolvimento que tem vindo a ser prosseguido;
•    A diminuição da intensidade do uso de recursos finitos;
•    A preservação da paisagem e do ambiente;
•    A endogeneização dos efeitos das alterações climáticas;
•    O melhor ordenamento do território;
•    A desejável definição dos modelos de trabalho e de vida e sua conciliação;
•    A articulação entre o prosseguimento de objectivos locais e de objectivos nacionais e globais;
•    A compatibilização dos vários objectivos de equidade, social e territorial;
•   A orientação das opções a fazer em matéria de inovação tecnológica e sua articulação com os demais objectivos;
•   A adopção de formas de governança que tenham em conta os valores e as experiências já adquiridas e que devam ser mantidas;
•   A implantação de uma cultura de rigorosa disciplina de avaliação que, permanentemente, confronte objectivos programados com objectivos realizados e recursos utilizados com recursos cuja mobilização tenha sido planeada, bem como a célere responsabilização dos agentes responsáveis pelos desvios encontrados.

5. A revolução tecnológica e digital [5]
A inovação tecnológica não é um fenómeno novo, mas tem-se revestido, nas últimas décadas, de uma abrangência, complexidade e aceleração, que justificam a ideia de que está em curso uma quarta revolução industrial, com consequências dramáticas para a vida das pessoas, a economia, a organização sociopolítica e, por conseguinte, constituirá um eixo principal de uma estratégia de desenvolvimento.
Estarão os cidadãos preparados para conhecer as potencialidades e os riscos associados à revolução industrial em curso? E as instituições dispõem de conhecimentos e instrumentos para responder adequadamente aos novos desafios e alicerçar neles uma estratégia de desenvolvimento?
Concretizando: o cruzamento da digitalização com a robotização está a criar uma nova economia e um novo mundo do trabalho. Porém, o consenso acaba aqui: Criará ou destruirá postos de trabalho? Modificará ou deslocalizará empregos? Será o trabalho do futuro mais ou menos digno? Que consequências para a sustentabilidade ambiental? Como se repercute na apropriação e na repartição do rendimento? Qual o seu impacto no Estado social? Podemos esperar que os pontos fortes e as oportunidades que se criam sejam superiores aos pontos fracos e às ameaças para os trabalhadores, para a qualidade de vida das pessoas e para a sociedade no seu todo?
As opiniões divergem, o que mostra como se torna indispensável e urgente um amplo debate para que se possa encontrar o melhor caminho para uma sociedade mais justa, próspera e inclusiva. A este propósito, abordaremos seguidamente algumas questões relevantes.
A- Globalização e competitividade
Para compreender a revolução tecnológica em curso e os seus impactos há que começar por situá-la no contexto de globalização e de competitividade à escala mundial.
É de admitir que a inovação tecnológica origine maior produtividade (é esse o seu objectivo imediato!) e proporcione melhoria da qualidade de vida das populações que venham a ser beneficiadas, mas nada garante que, num contexto de economia globalizada e mercados mundiais desregulados, os benefícios potenciais da inovação tecnológica não se convertam em perdas significativas para alguns estratos sociais e para os países menos preparados para dela tirarem partido. Como evitar que tal ocorra?
O crescimento da digitalização e da automatização na indústria e nos serviços, decorrente da evolução acelerada em áreas como a inteligência artificial, a robótica, a nanotecnologia, a impressão a 3D, vai tornar obsoletos muitos dos actuais postos de trabalho. É de recear que, dadas as exigências da globalização e da competitividade num mercado internacional sem regras claramente instituídas e executadas, a revolução industrial contribua para o crescimento das desigualdades na repartição da riqueza e do rendimento e para o agravamento da pobreza, conduzindo ao aumento de tensões sociais entre ricos e pobres, tanto no interior dos países mais desenvolvidos, como em comparações internacionais.
Não ignoramos que a globalização vem ao encontro de uma evolução civilizacional, mas é imperativo que a mesma obedeça a alguma forma de regulação.
Importa reconhecer que a transição será difícil e as pessoas menos qualificadas terão, certamente, menos possibilidades de se adaptarem à mudança, o que constitui, desde logo, um forte desafio, em especial no que respeita à educação das novas gerações e à formação das pessoas ao longo da vida, para garantir a sua melhor adaptação à nova realidade tecnológica. Há, por conseguinte, que pensar atempadamente em soluções que permitam gerir a transição, no respeito por princípios de equidade na partilha de custos e benefícios e na óptica de uma ecologia integral.
B- A digitalização e o seu impacto
A crescente digitalização e o seu impacto na economia e no mercado de trabalho estão a gerar grande debate, não só na academia mas também na política e no mundo do trabalho, tanto na Europa como nos Estados Unidos. Este debate pode ser simbolizado com o que está a suceder no caso da Uber no sector de transporte de passageiros.
Segundo alguns, estamos perante o prenúncio do fim do trabalho assalariado, a total liberalização dos serviços e o alargamento da concorrência mundial, que vai muito para além da muito contestada proposta da directiva europeia Bolkstein sobre a liberalização dos serviços.
É de recear que a generalização deste tipo de iniciativas possa, eventualmente, pôr fim ao modelo social europeu tal como o conhecemos hoje: não mais lei do trabalho; não mais horários de trabalho; não mais procedimentos especiais de despedimento. Em vez disso, teremos contas de internet criadas e eliminadas por decisão de uma qualquer start-up situada algures no mundo. Assim sendo, poder-se-ão tornar irrelevantes e inconsequentes quaisquer acções colectivas de defesa dos trabalhadores. E que dizer acerca  de uma possível incidência sobre a fiscalidade, as receitas públicas e, de um modo geral, sobre o financiamento do estado social?
Os desafios da inteligência artificial (IA) têm que ver, essencialmente, com a sua aplicação. Segundo alguns cientistas, o futuro está longe dos filmes catastrofistas em que a IA toma conta da humanidade. Os robôs ainda sabem fazer «poucas coisas» e terão sempre limitações, pelo que é imprescindível a colaboração entre o ser humano e a máquina (cobôs, em vez de robôs!).
A principal função dos robôs colaborativos (cobôs) é processar informação sobre os espaços físicos de modo que, à medida que forem sendo utilizados, vão aprendendo. O desafio consiste em poder juntar a classificação à cognição e depois à acção e dessa forma ajudar os humanos a tomar decisões. Se já o fazem em Wall Street, por que não em nossa casa? É possível mandar o cobô fazer uma determinada pesquisa e ele apresentará a sua melhor opção. Como saber que esta é a mais acertada? Segundo parece, os robôs tomam decisões, mas não sabem o seu porquê.
Muita da investigação que está a ser feita actualmente procura tornar as máquinas mais transparentes e mais acessíveis aos humanos do ponto de vista da confiança. Apesar dos evidentes benefícios destas máquinas e das potencialidades dos sistemas de IA, é indispensável avançar para a sua regulamentação para garantir que sejam os humanos a definir como trabalham as máquinas e, sobretudo, para defender a Ética no domínio da investigação que está a ser feita.
C- O impacto sobre o sistema produtivo
Como resultado da recente combinação entre os progressos da digitalização e da inovação tecnológica, têm surgido novas empresas que aproveitam do desenvolvimento de aplicações informáticas que lhes permitem tornar lucrativas áreas de serviços de resposta a novas necessidades em sectores-chave, como sejam o transporte, a prestação de cuidados pessoais, a entrega de encomendas, a procura e o arrendamento de alojamentos, o acesso a financiamentos, a reparações de equipamento, etc…).
Qualquer indivíduo equipado com um smartphone pode tornar-se produtor, criar serviços ou colocar serviços em oferta, por forma a obter deles alguns benefícios. Por outro lado, certos activos de investimento oneroso (viaturas, locais, certas ferramentas, softwares) e de utilização incompleta por um único proprietário (indivíduo ou empresa) podem ser partilhados por diversos utilizadores, com a correspondente economia de custos e consequente acréscimo de competitividade.
A ruptura que se opera entre o utilizador e o proprietário do bem utilizado em partilha, traz novos desafios acerca da relação entre a plataforma que faz a gestão do bem em causa e o utilizador e fornecedor do serviço a terceiros, com impactos no modo de apropriação dos proveitos e na fiscalidade. Acresce que o negócio assume, muitas vezes, uma dimensão internacional, o que, necessariamente, vem potenciar o agravamento das desigualdades sociais e criar maiores dificuldades à sustentabilidade do modelo de estado social, designadamente no que se refere à regulação do mercado laboral e à imposição fiscal que lhe subjaz.
Através da acção conjugada da internet, big data e smartphone, está a surgir um novo modo de produção e uma nova economia que configuram um novo mundo para o mercado do trabalho, para as pessoas e para as famílias.
Os mais optimistas admitem que a digitalização contribuirá para uma sociedade optimizada, para uma governança racional sem erros ou desperdícios e que estamos a passar de uma sociedade onde a energia era a chave do progresso, da inovação e da produtividade, para outra, onde os dados e a informação tecnológica a eles ligados serão a chave do progresso.
São aspectos que devem ser devidamente equacionados numa estratégia nacional de desenvolvimento.
D - A transição para uma economia do conhecimento
Como já se referiu, é no mundo do trabalho que mais directamente se farão sentir os efeitos da revolução tecnológica em marcha. Não basta, porém, pensar que se resolvem os problemas apenas com maior e mais exigente qualificação dos trabalhadores, mais especialização e reforço da formação, embora uma e outra sejam indispensáveis. Importa ter a consciência de que é necessário preparar a entrada num mundo do trabalho e de estilo de vida onde tudo será diferente.
Não podemos circunscrever a problemática em causa ao nosso país, dada a sua integração na Europa e no Mundo. Em particular, é fundamental que a U. E. tenha uma visão comum acerca do modo como a digitalização deverá evoluir. No sector dos serviços, por exemplo, o que deverá mudar? A relação com o trabalhador, ou antes com o fornecedor, ou ainda com o empregador, ou talvez com o algoritmo que fornece o trabalho, calcula o pagamento e prepara a folha de pagamento? O contrato de emprego, a negociação salarial, o processo de despedimento, a desactivação de contas também mudarão? Como ficará a segurança social, a saúde ocupacional, os padrões de segurança e higiene no trabalho, etc?
No sector industrial, também por efeito da digitalização, os modos de produção estão a mudar, a inter-accão entre o trabalhador e a máquina inteligente será diferente, o acompanhamento e o controlo do trabalhador também, e as práticas de gestão poderão implicar um aumento de pressão e, no limite, criar novas modalidades de opressão e de exploração dos trabalhadores.
No que diz respeito aos consumidores, a combinação e a soma total de informação quantitativa e qualitativa de natureza pessoal, comercial, geográfica e comportamental, disponível nas redes digitais – internet, telefones móveis, satnavs, etc. – exploráveis como matéria-prima, particularmente no contexto das aplicações móveis (apps) constitui hoje uma nova matéria-prima.
A economia digital e as suas startups, procurando dar valor a esta matéria-prima utilizam plataformas gigantes e usam algoritmos para converter a big data em informação explorável e utilizável. Também a este propósito se levantam problemas éticos que carecem de solução.
O impacto da «informação inteligente» ultrapassa os procedimentos do comércio a retalho, as formas de organização industrial e empresarial, atingindo não apenas o interior das organizações mas também campos mais vastos como o da saúde, educação, agricultura, ambiente, energia, transportes, gestão do tráfego, planeamento urbano, etc. Alguns autores referem que se trata de uma segunda economia distinta da tradicional economia física de produção de bens e serviços.
Em termos de organização empresarial, estamos a passar de uma economia em que o dono das infra-estruturas criava e capturava o valor, para uma economia em que o dono dos dados e da informação cria e absorve todo o valor.
Neste quadro de inovação, ficará a Europa dependente do processo de plataformização ou da informação e dados dos Estados Unidos? Estará a Europa em risco de ficar marginalizada na corrida para a digitalização da economia? Não se nega que já existem muitas startups na Europa, mas não possuem nem tantos recursos financeiros nem a mesma profundidade de conhecimento e de apoio tecnológico. O mesmo se pode dizer do desenvolvimento da robótica que é, também, muito maior nos Estados Unidos.
Numa perspectiva de médio prazo, Atkinson é peremptório quando afirma que, depois de um longo período em que a Europa se aproximou das condições de produtividade americanas, desde 1995, o desnível tem aumentado em cada ano e não há sinais de vir a diminuir. Isso deve-se, em grande parte, ao facto de não se ter sabido utilizar a revolução digital e tecnológica como sucedeu nos Estados Unidos. Apesar desta constatação, não devemos deixar de referir que, recentemente, a Comissão Europeia difundiu os seus planos para ajudar a indústria europeia, PMEs, investigadores académicos e autoridades públicas a tirarem o máximo partido das novas tecnologias.
A Comissão Europeia vai promover o investimento na digitalização, através de redes e parcerias estratégicas, definir normas comuns em domínios prioritários como as redes de comunicação 5G ou a ciber segurança e a modernização dos serviços públicos. De destacar também o projecto de criação de uma nuvem europeia que terá como objectivo proporcionar aos investigadores e aos professores nos domínios da ciência e da tecnologia um ambiente virtual para armazenar, gerir, analisar e reutilizar grandes volumes de dados de investigação. Espera-se, assim, que a revolução industrial em curso seja impulsionada pela revolução digital e que as empresas e os serviços públicos possam satisfazer, com eficiência, as suas necessidades de informação, transparência e gestão de recursos.
E- Que desafios para Portugal?
Que consequências podemos antever para Portugal desta revolução? Temos condições para a acompanhar, dados os investimentos em infra-estruturas científicas e tecnológicas realizados nos últimos anos? A existência e a qualificação dos recursos jovens bem como a nova geração de empresários serão suficientes? Que condições para os fixar no País?
Como se referiu, a digitalização e a robotização não são um fenómeno novo e têm-se desenvolvido ao longo de décadas, havendo hoje um consenso de que se atingiu um ponto alto e irreversível, fenómeno este que, possivelmente, se acelerará no futuro, sendo de destacar três aspectos que carecem da maior atenção: inevitabilidade do choque digital e social em curso; alteração das condições de criação de valor; impacto no financiamento da Segurança Social e na sustentabilidade do Estado Social.
São muitas as interrogações acerca do futuro e do melhor caminho para fazer a transição. As percepções e opiniões dividem-se, mas é inquestionável a convicção de que é indispensável e urgente promover um amplo debate na sociedade europeia e em cada um dos Estados membros para que os cidadãos participem nas escolhas que importa fazer e para que se possa encontrar o caminho para uma sociedade mais justa, próspera e inclusiva.
São necessárias políticas que favoreçam os pontos fortes (mundo conectado, sistemas abertos, economia do conhecimento, acesso baseado na funcionalidade e não na propriedade, governança optimizada, etc.) bem como as oportunidades (organizações mais ágeis e flexíveis, mais trabalho autónomo, eliminação de tarefas repetitivas, melhor ergonomia, tarefas pesadas e complexas mais facilitadas, novas formas de cooperação e colaboração, etc.).
Do mesmo modo, deverão ser combatidos e evitados os aspectos negativos da revolução tecnológica, designadamente a concentração do poder e da riqueza em poucas empresas, o risco de desemprego muito elevado, o desaparecimento da classe média e a polarização da sociedade entre um número reduzido de trabalhadores no topo e uma concentração, no fim da escala, a erosão da base fiscal e do financiamento da segurança social, etc.
Acreditamos que, numa visão de conjunto, não podem ignorar-se e devem ser devidamente acauteladas as questões fundamentais da Ética.

6. Repensar o Trabalho e o Emprego [6]
O mundo do trabalho é o teatro de uma mutação profunda, num período em que a economia mundial não cria empregos suficientes… E ao desemprego massivo, junta-se a profunda transformação que conhece a relação de trabalho, portadora de novos desafios a vencer. Esta constatação da OIT encontra eco generalizado à escala mundial e Portugal não é excepção.
O mercado de trabalho em Portugal tem-se caracterizado, desde há alguns anos, por um baixo ritmo de criação de emprego bem como por um nível elevado de desemprego e sub-utilização do trabalho, a par de crescente precariedade. A taxa de actividade caiu de 60,5% para 58,5%, entre 2011 e 2015, e a recuperação desde então tem sido reduzida.
As mudanças em curso, resultantes da conjugação do aprofundamento da globalização com o avanço tecnológico, vêm colocar novas questões relativamente não só quanto a oportunidades de emprego para todos como à própria natureza do trabalho humano tendo em conta a sua tríplice dimensão: realização humana, fonte de rendimento e de segurança social, participação na economia e na sociedade.
Foi através do trabalho que o ser humano, ao longo dos tempos, se organizou e se socializou, definindo o trabalho/emprego como um direito inalienável associado a uma remuneração justa capaz de garantir qualidade de vida. Continuará a ser assim no futuro próximo?
A crise financeira deixou cicatrizes no mundo do trabalho: elevado volume de desempregados, trabalhadores sub-utilizados a par com trabalho precário, desvalorização dos salários; perda de poder negocial das organizações de trabalhadores.
Nas economias avançadas, a recuperação dos postos de trabalho está a fazer-se mais lentamente do que seria desejável. De acordo com a OCDE o tempo está a esgotar-se para evitar que as cicatrizes da crise se tornem permanentes, com milhões de trabalhadores apanhados na armadilha da permanência no fundo da escada económica. O legado da crise terá feito subir as desigualdades e existe o perigo do aumento do número de trabalhadores em situação de desemprego crónico ou alternando entre o desemprego e os empregos precários e mal pagos. A agenda política terá aproveitado a crise para introduzir alterações significativas no modelo de funcionamento do mercado de trabalho, as quais, em geral, não são favoráveis aos trabalhadores.
A - Os desafios do trabalho face à tecnologia
O futuro do trabalho vai depender do modo como os diferentes actores sociais e políticos vão lidar com a revolução tecnológica em curso e as políticas que venham a ser seguidas para acomodar a transição, designadamente:
- a extensão e o ritmo da robotização;
- os novos comportamentos induzidos pela utilização de redes sociais, no que se refere à partilha da informação e construção de comunidades de colaboradores;
- o acesso às tecnologias em plataformas colaborativas;
- os níveis de qualificação e as possibilidades de formação e aprendizagem ao longo da vida;
-  a repartição entre períodos de trabalho e de lazer;
- o acesso ao rendimento básico e a maior ou menor equidade na repartição do rendimento;
- o financiamento da segurança social.
Há sólidas razões para recear alguns previsíveis efeitos negativos da inovação tecnológica, que devem ser acautelados e corrigidos (aumento das formas transitórias de trabalho e da precariedade, crescimento da mobilidade espacial e funcional, com impacto nefasto sobre a inserção dos trabalhadores na sociedade, dispersão dos locais de trabalho, desligando os trabalhadores da comunidade, redução dos direitos do trabalho, etc). Mas há, igualmente, fundamento para antecipar benefícios no plano ambiental como numa mudança qualitativa do trabalho humano (fim do trabalho rotineiro, mais tempo de lazer, mais oportunidades de formação ao longo da vida, melhor conciliação com a vida familiar, etc.). Tudo depende das políticas adoptadas e do comportamento dos actores sociais.
B - O balanço entre ganhos e perdas de emprego
Podemos perguntar se conseguiremos criar, a curto e médio prazo, os empregos suficientes, para garantir a efectividade do direito ao trabalho. O que se tem vindo a observar é que os novos empregos, se bem que mais qualificados do que os do passado, não são, sempre, melhor pagos, o que pode configurar uma fractura geracional.
O facto de algumas qualificações se tornarem obsoletas e de novas competências terem de ser desenvolvidas coloca exigências acrescidas em matéria de educação e formação. Muito embora haja acordo sobre o facto das economias modernas precisarem de trabalhadores mais qualificados, não deixa de ser surpreendente verificar que cada vez menos trabalhadores são necessários para desenvolverem áreas cruciais da actividade económica
Finalmente, interessa referir que as novas oportunidades de emprego podem também nascer de necessidades não satisfeitas, designadamente as ligadas aos bens relacionais, culturais e ambientais, desenvolvidos por sectores de mercado ou por actividades cobertas pela Economia Social. A este respeito, há também que inventar um novo pacto social, para que a economia social não tenha apenas a função de redistribuir recursos, mas também a de criá-los.
C - Novas formas de trabalho e emprego
As alterações que hoje já se fazem sentir nas formas e conteúdos do trabalho vão conhecer novos e rápidos desenvolvimentos nos próximos anos. Ao lado das oportunidades criadas por formas de trabalho cada vez mais autónomas e, eventualmente, mais compensadoras, especialmente para as profissões mais qualificadas, existe o perigo do aparecimento de novas dependências e inseguranças, que exigem uma protecção acrescida, para assegurar que o progresso beneficie todos e não deixe ninguém para trás.
As tendências em presença apontam para que o padrão tradicional do emprego, ou seja, o emprego assalariado a tempo inteiro e por tempo indeterminado, conheça um declínio significativo, a favor dos free-lancers, das profissões liberais, dos empregos ligados à “economia a pedido”, às start-ups e às formas inspiradas na uberização. Uma avaliação realizada acerca destas formas de emprego revelou que algumas delas constituem oportunidades e, inclusivamente, beneficiam da preferência de alguns profissionais, sobretudo mais jovens, mas os riscos que lhes são inerentes podem ser superiores a eventuais aspectos positivos. Por ora, o que constatamos é uma intensificação do ritmo de trabalho e do stress, aumento da precariedade, dificuldade acrescida em planear o tempo de trabalho e de descanso, o aumento do trabalho noturno e ao fim de semana, a exigência de se estar sempre disponível para trabalhar, etc..
D - Relação Social e Negociação do Trabalho
O ritmo e o alcance das actuais mudanças no mundo do trabalho terão atingido, de acordo com a OIT, um ponto de tal forma crítico, que desafia o próprio fundamento da relação de trabalho, tal como a conhecemos, enquanto produto de um processo histórico e evolutivo. Ao longo do tempo, a relação de trabalho típica tornou-se um ponto central da regulamentação do direito do trabalho, provando, em simultâneo, o seu valor económico e social como solução de compromisso na qual a subordinação no local de trabalho constituía a condição de acesso à protecção contra os riscos associados ao mercado de trabalho. Actualmente, intensificou-se a pressão sobre a relação de trabalho e uma concomitante progressiva desregulamentação do mercado de trabalho (enfraquecimento da legislação laboral e declínio da negociação colectiva). São também frequentes práticas abusivas de que constitui um exemplo a manutenção do trabalho temporário para além de limites que põem em causa relações laborais mais estáveis e justas. Tal como afirma Stiglitz, a desregulação é, de facto, uma “reregulação”, isto é, um novo conjunto de regras para gerir a economia, que favorece um conjunto específico de actores.”
E - Qual vai ser o futuro?
As estimativas recentes, designadamente as constantes do World Employment and Social Outlook – Trends 2015, apontam para uma recuperação do emprego nalgumas economias avançadas, uma evolução muito modesta nos países do Sul da Europa e uma deterioração nas economias emergentes e em desenvolvimento. De acordo com Juan Somavia, antigo director da OIT: Actualmente, o principal objectivo da OIT consiste em promover oportunidades para que mulheres e homens possam ter acesso a um trabalho digno e produtivo, em condições de liberdade, equidade e dignidade”.
O conceito de trabalho digno defendido pela OIT resume as aspirações do ser humano no domínio profissional e abrange vários elementos: oportunidade para realizar um trabalho produtivo com uma remuneração equitativa; segurança no local de trabalho e protecção social para as famílias; melhores perspectivas de desenvolvimento pessoal e integração social; liberdade para expressar as suas preocupações; organização e participação nas decisões que afectam as suas vidas; e igualdade de oportunidades e de tratamento para todas as mulheres e homens. Por todas estas razões o trabalho digno deveria estar no centro das estratégias globais, nacionais e locais que visam o progresso económico e social.
Para se levar por diante a prossecução deste objectivo, há que adoptar adequadas políticas públicas de fomento e enquadramento da iniciativa privada, designadamente as seguintes:
- a sustentação da procura agregada e do investimento;
- o reforço dos aspectos institucionais de regulação do mercado de trabalho:
- o aperfeiçoamento dos sistemas de protecção social (cobertura apropriada a todos os tipos de trabalho);
- políticas de rendimento e fiscais;
- políticas públicas de criação de novos empregos.
Pese embora a justeza destas recomendações, há quem preveja que não vão existir no futuro empregos suficientes para todos, em resultado predominantemente do avanço da robótica e da digitalização, o que impõe que não se olhe tanto para o passado, mas antes que nos viremos para o futuro, através da implementação de medidas inovadoras. Foi por isso que a OIT propôs várias iniciativas, entre quais A Iniciativa sobre o futuro do trabalho. Trata-se de um processo, que se desenvolverá até 2019, data da celebração dos 100 anos da criação desta organização. Pretende-se reunir um vasto conjunto de contributos que tornem possível uma reflexão sobre o futuro do trabalho.
De acordo com a OIT, a evolução do mundo do trabalho, independentemente do que pensamos sobre o assunto, é o resultado de uma multiplicidade de decisões tomadas aos níveis nacional e internacional, tanto na esfera pública como privada e em todos os domínios. Do mesmo modo, e apesar da dinâmica da mudança já observada e de algumas realidades duras, o futuro do trabalho será o que fizermos dele.
Entre as possíveis fontes de criação de empregos são geralmente apontadas a economia verde, uma vez que é necessário investir em métodos eficientes de produção de energia, bem como os serviços de cuidados pessoais dado o envelhecimento demográfico da maioria dos países e o aparecimento de novas necessidades a colmatar.
Questão de primordial relevância é a de saber como vão ser assegurados os direitos humanos fundamentais dos trabalhadores e qual o papel das políticas públicas e da negociação colectiva de trabalho cuja importância tem vindo a decrescer substancialmente. Temos de nos interrogar sobre a configuração da relação salarial no futuro, tal como foi concebida ao longo do tempo, contemplando salário, actividade, protecção social e participação e as opções a fazer na definição de estratégias de desenvolvimento futuro.

7. Desigualdades, pobreza e desenvolvimento [7]

A questão das desigualdades está hoje no centro do debate público, presente nos textos académicos, nas análises publicadas das organizações internacionais, no discurso dos políticos de distintos e opostos quadrantes ideológicos e nos principais órgãos de comunicação social.
Compreende-se que assim seja. Com efeito, temos vindo a assistir a um forte crescimento da desigualdade a nível global. Iniciou-se na década de 80 e assume hoje proporções não vivenciadas na generalidade dos países, pelo menos desde 1945. Por outro lado, conhecemos melhor os factores que subjazem à desigualdade da riqueza, do rendimento e da pobreza, bem como os respectivos impactos no crescimento económico, na coesão social e no desenvolvimento sustentável.
A concentração excessiva da riqueza e dos rendimentos constitui não só um factor de injustiça social e um elemento potenciador da pobreza e da exclusão social de milhões de homens e mulheres das nossas sociedades, mas constitui igualmente, e de forma cada vez mais vincada, um travão ao crescimento económico e ao desenvolvimento sustentável.
A - A necessidade de se olhar para as desigualdades de uma forma plural
A ligação entre a evolução dos sistemas económicos e a própria evolução da desigualdade é, neste contexto, fundamental. Sem perceber a forma como o modo de produção da riqueza condiciona a sua distribuição não é possível entender o cerne das desigualdades.
A vertente económica da desigualdade tem estado no centro da análise das desigualdades, particularmente entre os economistas. No entanto, as assimetrias na distribuição do rendimento, dos salários, da riqueza ou do património surgem cada vez mais associadas às desigualdades no acesso ao ensino ou à saúde, às diferenças no usufruto dos bens e serviços públicos e mesmo às formas assimétricas de exercer e de beneficiar dos direitos de cidadania. Estes aspectos assumem hoje uma importância crítica na explicação do endividamento e do sobreendividamento.
O fenómeno das desigualdades é cada vez mais um fenómeno plural e qualquer análise que fique confinada apenas a uma das suas muitas manifestações é necessariamente redutora.
B - Desigualdade, globalização e tecnologia
Uma das questões cruciais que se colocam quando se analisa a relação entre o processo de globalização e as desigualdades prende-se com os efeitos das alterações tecnológicas. Estas modificam não somente os custos associados aos serviços, mas, muitas vezes, a própria natureza desses serviços.
A forma como se incentiva, ou não, a introdução de determinado tipo de tecnologias não pode deixar de se repercutir na procura de trabalho e na formação dos rendimentos, com inevitáveis efeitos redistributivos. A experiência recente dos países da OCDE parece igualmente evidenciar que as alterações tecnológicas têm simultaneamente contribuído para o acentuar das diferenças entre o trabalho qualificado e não qualificado, constituindo assim um factor adicional de agravamento das desigualdades salariais.
C - Retornar à questão da repartição funcional do rendimento
É necessário hoje repensarmos as questões da distribuição funcional do rendimento no estudo das desigualdades. Não com as lentes de observação originais do século XIX mas tendo em conta a realidade económica do nosso século: as novas formas de distinção entre trabalho e capital, a distinção entre tipos de trabalho, entre salários e ganhos e, como salienta Stiglitz, o papel das “rendas” muitas vezes associado e indissociável de certos tipos de remuneração do trabalho.
A própria noção de capital deve hoje ser profundamente repensada. A disseminação da posse do capital de muitas das principais empresas leva a que muitas vezes não seja desejável, ou mesmo legítimo, focar a análise exclusivamente nos detentores do capital das empresas, devendo antes ser cada vez mais centrada em quem tem o poder de tomar as decisões que associamos ao funcionamento do capital como factor produtivo.
Também do lado do trabalho se assiste hoje a profundas mutações no padrão do emprego e nas condições de trabalho com reflexos profundos no potencial agravamento das desigualdades salariais e, consequentemente, da desigualdade. O forte crescimento de formas de emprego não convencionais (emprego a tempo parcial, emprego temporário, etc.) bem como as diversas formas de desvalorização do factor trabalho (redução dos salários, generalização de estágios, diminuição da concertação colectiva, etc.) tem-se traduzido num agravamento das condições de precariedade do trabalho que não é dissociável do peso crescente dos trabalhadores em situação de pobreza.
D - Repensar as formas de medir as desigualdades
Os indicadores de desigualdade devem deixar de assentar exclusivamente em inquéritos directos às famílias de forma a conseguir-se uma maior abrangência das populações tidas em consideração (os sem-abrigo, os hospitalizados, as pessoas institucionalizadas, etc.), mas também são necessárias estatísticas mais fiáveis e mais actualizadas. A conjugação de informação assente em inquéritos com dados administrativos, a criação de indicadores de alerta, são alguns dos caminhos possíveis para o aperfeiçoamento dos indicadores de desigualdade. A reconciliação entre os indicadores micro e macro da desigualdade é outra vertente importante para atenuar o “gap” entre os indicadores macroeconómicos provenientes das contas nacionais e os diferentes indicadores de desigualdade.
E - Portugal: um país profundamente desigual
Portugal continua a ser um país com elevados índices de desigualdade na repartição da riqueza e do rendimento, situação que deveria constituir preocupação central por parte de diferentes correntes ideológicas, partidos políticos, e órgãos de soberania.
A conjugação dos efeitos da crise económica e das políticas de austeridade implementadas traduziram-se num inequívoco agravamento das condições de vida da população e num processo de empobrecimento que afectou largos sectores da sociedade, sendo indispensável reverter com urgência esta situação.
Em particular cabe salientar que uma das consequências mais dramáticas da crise económica e das políticas seguidas nos anos recentes foi o aumento substancial da proporção de crianças e jovens em situação de pobreza.
Também merecem destaque o agravamento da desigualdade associada aos rendimentos de mercado (níveis e desigualdades salariais), as assimetrias regionais na repartição do rendimento e na pobreza, a concentração da riqueza (o 1% mais ricos dispõe de 15% da riqueza nacional).
F - A intervenção do Estado
A contenção das desigualdades e a erradicação da pobreza devem merecer a maior atenção na configuração de estratégias e políticas de desenvolvimento. Por razões de justiça social, mas igualmente enquanto elemento constituinte da reivindicação de um modelo de desenvolvimento que tenha em conta as necessidades de todos os elementos da sociedade e dos locais em que vivem, a valorização do trabalho e um modelo de funcionamento da economia que seja simultaneamente mais eficiente e que assegure e promova a coesão social e a ecologia integral. Ao Estado cabe uma função de correcção das insuficiências dos mercados e de remoção de causas estruturais de desigualdade.
Neste sentido afigura-se-nos de primordial importância que se atente nas seguintes políticas:
- Melhoria da arquitectura e do funcionamento das políticas sociais de forma a assegurar o aumento da sua capacidade redistributiva bem como a eficiência da provisão de serviços de saúde, educação, segurança, habitação e que fiquem garantidas condições de acesso por parte dos grupos mais vulneráveis. Trata-se de dar efectividade aos direitos humanos e constitucionais.
- Reforço dos sistemas de rendimento mínimo, aumentando a sua eficácia e eficiência, com a devida integração da sua componente de inclusão activa na sociedade e, quando adequado, no mercado de trabalho.
- Aperfeiçoamento das políticas fiscais, tornando-as mais redistributivas e abrangentes de diferentes fontes de rendimento e riqueza, sem esquecer ou subestimar que uma parte significativa da regulação dos factores indutores da desigualdade exige uma coordenação e uma regulação que extravasa a política nacional e que tem necessariamente de ser assumida num contexto europeu e internacional.
- Medidas que atendam à necessária correcção da desigualdade na repartição funcional do rendimento, estabelecendo regras justas de repartição dos excedentes entre investidores e trabalhadores.
- Valorização do trabalho, rejeitando um modelo de desenvolvimento assente nos baixos salários e na subordinação dos direitos dos trabalhadores no quadro das relações laborais. A promoção da criação de empregos de qualidade constitui, nesse quadro, um instrumento fundamental.
- Redução sustentada do desemprego assente em metas quantificáveis e monitorizáveis.
- Reforço dos níveis de conhecimento e de qualificação da população.
- Diminuição das assimetrias existentes entre os vários territórios e regiões que compõem o todo nacional.
O combate efectivo às desigualdades sociais não pode ser efectuado no âmbito exclusivo da política económica. O combate às desigualdades deve ser entendido como um instrumento de cidadania e de reforço da coesão social. Tal implica não somente um novo reconhecimento dos efeitos nefastos da desigualdade, mas igualmente uma acção que fomente o aumento da aversão à desigualdade por parte da maioria dos cidadãos.

8. O conhecimento ao serviço do desenvolvimento [8]

O conhecimento é hoje, e sê-lo-á ainda mais no futuro próximo, um primordial factor de criação de valor. Facilmente transferível, cada vez mais transacionável através dos bens e serviços em que se incorpora e extremamente apetecido pelo grande negócio financeiro internacional tornou-se, na era da globalização, o principal instrumento da competitividade, determinando o modo e as condições de produção e de apreensão e repartição do rendimento e da riqueza.
O conhecimento deveria ter a natureza de um bem público, como o ar ou a água, mas vem-se tornando, cada vez mais, num bem privado de propriedade altamente concentrada e assim se converteu num instrumento de poder com impacto nos sistemas produtivos e modos de produção, nos estilos de vida, nas relações sociais e na comunicação. É, por isso, da maior relevância para as sociedades democráticas que os Estados criem condições que promovam a igualdade de oportunidades no acesso ao conhecimento nos diferentes patamares de formação, desde o ensino básico ao superior, bem como cuidem da difusão equitativa do conhecimento que vai sendo produzido, colocando-o ao serviço do tecido económico, da Administração Pública, dos diferentes corpos da sociedade civil e da sociedade, em geral. Não se compreende, por exemplo, que, por razões de expectativas de lucro, se detenham certas patentes impedindo, por essa via, a disponibilização de meios de tratamento e cura de algumas doenças.
Dos cidadãos e das empresas espera-se um papel de maior proactividade na construção e na apreensão do conhecimento. Só assim o conhecimento pode ser o motor de uma cidadania avançada, de uma economia eficiente e de uma sociedade aprendente.
Por todas estas razões, o conhecimento merece um foco central na definição das estratégias de desenvolvimento.
Reconhecemos que o conhecimento mais avançado e inovador se encontra refém de poderosas estruturas tecnológicas e financeiras, de âmbito internacional, que definem rankings e critérios internacionais de avaliação com as quais é necessário interagir, mas tal não dispensa, antes impõe, que, aos vários níveis, Governo, Universidades e outros corpos sociais relevantes definam estratégias próprias de fomento e avaliação da produção científica nacional que melhor correspondam às necessidades e aos recursos das respectivas populações que para o efeito devem ser ouvidas.
Não basta investir mais na produção de conhecimento científico e tecnológico; há que garantir que os esforços se dirigem para áreas e sectores relevantes da economia e da sociedade e bem assim que os recursos humanos disponíveis encontram no País o devido reconhecimento e aproveitamento.
Alguns autores têm denunciado um excesso de voluntarismo na oferta de cursos superiores o que veio a conduzir ao desemprego de investigadores qualificados e deu origem, nos últimos anos, a um surto emigratório elevado entre a população jovem com qualificação de ensino superior. É urgente reverter esta situação.
A questão da estratégia de conhecimento constitui, por sua vez, um aspecto crítico e especialmente vulnerável do processo de conhecimento. Para que este possa estar de facto ao serviço do desenvolvimento económico e social, é necessário que tenham sido socialmente consensualizados e institucionalmente apreendidos os grandes objectivos do desenvolvimento, feito o diagnóstico dos recursos e das potencialidades, bem como das restrições e estrangulamentos antecipáveis. Este processo deverá beneficiar, tanto quanto possível, da “voz” da cidadania, designadamente dos centros de investigação e do pessoal investigador.
Dispondo dos grandes objectivos do desenvolvimento, o regulador deverá igualmente deter uma visão holística do processo de conhecimento, os seus pontos-chave e articulações entre os mesmos o que pressupõe ter por referência uma visão integrada dos domínios da educação, da inovação, da ciência, da tecnologia e da investigação, bem como a percepção e a avaliação permanente das articulações e recomposições que entre os mesmos se estabelecem de forma dinâmica: uma visão integradora que abranja não só o processo de produção e de circulação do conhecimento mas também a sua endogeneização pelo tecido económico e a respectiva apreensão pela estrutura social.
Em particular merece destaque a necessidade de uma política consistente de recursos humanos e financeiros disponíveis para a investigação e a criação dos instrumentos adequados para a sua mobilização oportuna e atempada.    
O desenvolvimento científico verificado em Portugal na primeira década do séc.XXI é publicamente reconhecido como muito positivo. (Cf, o relatório publicado pela FCT, em 2013, Diagnóstico do Sistema de Investigação e Inovação. Desafios, forças e fraquezas rumo a 2020). Neste relatório se afirma que o sistema português de Investigação e Inovação beneficiou na última década de transformações relevantes na estrutura de mobilização de recursos o que permitiu alargar de forma significativa a sua base científica e tecnológica. Todavia o mesmo relatório adverte que existem riscos de descontinuidade de algumas políticas públicas.
Relativamente às principais fragilidades, o mesmo relatório destaca o baixo nível educacional da população activa, principalmente nas faixas etárias menos jovens e numa percentagem significativa do tecido empresarial, bem como o facto da economia portuguesa apresentar um claro perfil de especialização em atividades económicas de baixa ou média baixa intensidade tecnológica. Por outro lado, é ainda bastante limitada a solicitação e emissão de patentes de origem nacional no âmbito da U.E.
As insuficiências reveladas por aquela análise exigiriam a intensificação da acção pública sustentada nos domínios da educação e das qualificações de base, das políticas económicas sectoriais e das políticas de inovação, a par do exercício regular da avaliação sistemática dessas políticas e dos correspondentes programas de acção.
Acresce salientar que a insuficiência das políticas de inovação muito tem contribuído para a não absorção pelo tecido económico das altas qualificações de que o País tanto necessita para enfrentar a estagnação da produtividade e a inércia dos seus modelos organizacionais, bem como para contrariar a tendência de “especialização” pelos baixos salários.
Apesar do reforço da rede de interacções entre os diversos parceiros do processo de produção e utilização do conhecimento, de que são exemplo algumas bem-sucedidas parcerias entre universidades, centros de formação, empresas, associações empresariais e profissionais, o citado relatório salienta que tal esforço é ainda insuficiente, o mesmo se pode dizer da escassez do financiamento, público e privado.
Por último não queremos deixar de salientar alguns importantes pontos fortes, designadamente os seguintes:
- A qualidade científica e académica das universidades portuguesas, com um número significativo de unidades de investigação avaliadas com “Excelente” por painéis internacionais;
- A intensificação dos fluxos de conhecimento, desencadeada  pela mobilidade nacional e internacional de doutorados e investigadores;
- O crescimento exponencial – embora ainda modesto no âmbito da U.E. – do número de publicações científicas em co-autoria internacional.
A partir de 2015, com a entrada em funções de um novo Governo, o novo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) surgiu com a seguinte preocupação expressa:  A criação de condições e mecanismos efetivos de acesso e de partilha do conhecimento democratiza-o e contribui para a igualdade na formação e a capacitação científica, possibilitando a transferência de conhecimento e estimulando a apropriação social da ciência. Parecia, assim, estar traçado um rumo para a política científica. No entanto, apesar das intenções anunciadas, continua a verificar-se uma importante carga burocrática nos processos de candidatura de projectos de I&D, persistência de excessiva precariedade de emprego nesta área, manifesta insuficiência de investimento, deficiências estas que importa superar.
De destacar pela positiva, entre outras iniciativas, a criação dos Laboratórios Colaborativos, com o objectivo de fomentar sinergias entre instituições académicas, empresariais, científicas, sociais e culturais, tendo em vista o incremento da inovação e do emprego científico bem como a celebração de contratos de legislatura com as universidades e institutos politécnicos, visando aperfeiçoamentos ao nível da gestão e da relação interinstitucional e o lançamento de um programa de valorização e modernização do ensino politécnico, no qual se inclui a aprovação de um regime transitório para a qualificação dos docentes dos politécnicos.
Merece adesão e apoio o propósito do governo de vir a elaborar um plano nacional de ciência e tecnologia, articulando, entre outras instituições, a FCT, a ANI e a Ciência Viva, com o objectivo de conjugar a capacidade e o interesse da comunidade científica com as necessidades dos cidadãos, das empresas e das organizações civis (…). Assim sendo, a respectiva concretização poderá contribuir não só para aumentar o nível do conhecimento mas também para promover a sua maior e indispensável contribuição para o desenvolvimento económico e social, incluindo o fomento de uma cidadania mais robusta, própria de uma sociedade aprendente que se deseja ver surgir num futuro tão próximo quanto possível.

9. Enquadramento financeiro [9]

No contexto mundial e europeu, Portugal é uma pequena economia, aberta ao exterior, com um sistema financeiro caracterizado por alguma instabilidade e, sobretudo, índices de endividamento público e privado muito elevado, particularmente em dívida externa. Estas características tornam o nosso País exposto aos choques que possam ocorrer em qualquer elemento do sistema financeiro mundial, bem como vulnerável às mudanças que possam existir no quadro da governance a nível europeu e mundial. Por outro lado, a adesão ao euro impõe o cumprimento de regras de supervisão por parte do Banco Central Europeu (BCE) a quem compete a definição da política monetária para toda a zona euro e deixa reduzida margem aos governos nacionais neste domínio.
Para o cidadão comum não é fácil dispor de um quadro sucinto que lhe permita compreender, com rigor e atempadamente, os condicionamentos financeiros a que estamos sujeitos e as muito limitadas possibilidades de os enfrentar por parte dos governos e do próprio regulador nacional, o Banco de Portugal. O facto de que o sistema financeiro se estende, hoje, ao mundo global torna essa compreensão ainda mais difícil. O que sabemos é que os bancos e demais instituições financeiras a operar em Portugal estão cada vez mais sujeitos a lógicas de capital estrangeiro e, directa ou indirectamente, dependentes de regras de supervisão externas o que tem, obviamente, impacto no desempenho da sua função de financiamento da economia nacional.
Não deve igualmente esquecer-se ou subestimar-se o facto de que, dada a interdependência financeira à escala global, todas as economias estão expostas a crises que possam ocorrer fora das suas fronteiras, como a que aconteceu em 2007 nos Estados Unidos com o subprime e a falência do Banco Lehman Brothers e as suas fortes réplicas no contexto europeu e em outras regiões do Mundo.
O sistema financeiro está focado no curto prazo, é complexo, instável, com pouca transparência, o que, para o cidadão comum, torna difícil alcançar o devido entendimento acerca das interdependências que existem entre as economias nacionais e mundiais, reconhecer os possíveis impactos da evolução da finança mundial ou do mercado bolsista, ou, menos ainda, prever os efeitos da acelerada inovação tecnológica sobre a economia, a finança e a sociedade.
A financeirização da economia resultou na criação de novas condições para a extracção da riqueza. O foco na bolsa e na maximização do valor para os accionistas permitiu a banqueiros e executivos em geral beneficiarem de um considerável aumento da riqueza. O mesmo ocorreu no sector do imobiliário devido à facilidade do acesso ao crédito dirigido para este sector, que assim torna a ser uma oportunidade para a especulação internacional.
Paralelamente, a globalização contribuiu para a perda do poder negocial dos trabalhadores e para a estagnação dos salários. Tudo isto resultou em crescente desigualdade na repartição do rendimento e da riqueza, em reforço da especulação nos activos e em perda de confiança do cidadão comum nos bancos enquanto entidades de financiamento da economia real, concessão de crédito às famílias, guarda e valorização das suas poupanças. Portugal não é excepção. A projectada venda do Novo Banco à Lone Star ameaça reforçar a nossa vulnerabilidade ao investimento especulativo.
Na sequência da crise tem-se vindo a reforçar a necessidade de maior e mais eficiente regulamentação do sistema financeiro, à escala mundial, em particular da Banca, designadamente nos seguintes domínios: garantias de depósitos, controlo de crédito e imparidades, evasão fiscal, paraísos fiscais, transparência nos negócios.
Entretanto, porque a desigualdade na repartição da riqueza e dos rendimentos se tem avolumado, reconhece-se que são também urgentes medidas para assegurar uma repartição mais equitativa. Para além de critérios de justiça, não pode ignorar-se que a mega-concentração da riqueza constitui uma ameaça cada vez maior à independência política e à democracia.
O êxito das reformas dependerá de uma nova cultura de relação com o dinheiro que privilegie a equidade, não apenas no sector financeiro, mas na sociedade em geral, uma cultura que oriente a finança para o bem comum e que valorize os bens que a todos pertencem. 
Neste elenco de questões, cabe ainda dizer que não é possível antever o futuro da finança sem ter em conta a revolução tecnológica (fintech) que já começou, bem como a crescente cultura colaborativa sobretudo entre os mais jovens, o que perfila no horizonte medidas inusitadas e soluções inovadoras
Das considerações anteriormente feitas ressalta a conclusão óbvia de que, para conseguir melhor desempenho do sistema financeiro e adequada resposta de contenção da desigualdade actualmente existente, são necessários dois requisitos:
    - Uma mudança cultural que implique um distanciamento efectivo do princípio da maximização do dinheiro em si, sem olhar aos seus custos indirectos, e a adopção de um sentido de responsabilidade de financiamento dos bens comuns e da prossecução do bem comum, isto é, uma cultura facilitadora da passagem da especulação financeira e imobiliária para o investimento de longo prazo na economia. 
    - Uma reforma política e societal que permita sair do neo-liberalismo e da hegemonia da financeirização, com vista a uma visão comum em que governo, sector privado e cidadãos trabalhem em conjunto para conduzir a economia e a sociedade no sentido de providenciar benefícios para todos, ou seja a viabilização da evolução da economia de mercado para um novo patamar - uma economia colaborativa - baseada numa perspectiva de co-responsabilidade e de transparência por parte de todos os actores. 
Esta mudança de paradigma torna-se particularmente urgente face aos desafios ecológicos com que estamos confrontados. Os recursos disponíveis estão a escassear, a biodiversidade declina e a alteração climática intensifica-se. Não é de mais lembrar que estamos a destruir a natureza e a descurar a nossa própria sobrevivência. Acresce que a aceleração da revolução tecnológica, incluindo a inteligência artificial, a bio-engenharia, a digitalização e os mega-dados, torna imperioso que façamos escolhas muito sensatas acerca do modo como delineamos o nosso futuro.
No que se refere à crise financeira, os riscos decorrentes da finança e do poder estão nas mãos dos seus actores mas estão a passar cada vez mais para os bilionários da tecnologia. Podemos confiar-lhes o nosso futuro? Pensamos que não.
Está em curso a discussão sobre a definição de medidas legislativas de controlo destes actores, mas a mudança tecnológica é tão acelerada que corremos o risco de ter leis que ficam sistematicamente aquém da inovação. Importa, também, ter presente que a lei só por si é insuficiente e tem de ser complementada pela exigência de um comportamento responsável por parte de todos.
A educação desempenhará um papel fundamental no futuro. É necessário que as universidades e as escolas de gestão adoptem, cada vez mais, uma perspectiva integrada, em que a economia, a ecologia e a sociedade estejam interligadas. Por outro lado, a importância do conhecimento da engenharia financeira deve declinar em favor de maior ênfase no conhecimento sobre o investimento sustentável na economia real e o seu impacto na sociedade.
A educação ajudaria a sensibilizar as pessoas para novos conceitos que ainda não entraram na consciência colectiva como sejam: o conceito do dinheiro enquanto bem comum ou a responsabilidade pelos objectivos finais do seu uso.

10. A União Europeia e o Futuro [10]

A União Europeia celebrou, a 25 de Março de 2017, o 60º aniversário da sua fundação. Há razões positivas para esta celebração. Depois de séculos de guerra, cataclismos e milhões de mortos, a Europa é hoje um espaço de paz, liberdade e democracia; a UE integrou 11 países do anterior bloco soviético, conduzindo-os, com algum sucesso, na sua transição pós comunista; na era da grande desigualdade a nível mundial, os países- membros da UE apresentam as mais baixas diferenças de rendimento quando comparados com qualquer outra região do mundo; vão sobrevivendo modelos de Estado social, apesar de, nos últimos anos, terem sido muito afectados pela corrente neoliberal dominante.
Todavia, hoje, a UE vive uma crise de identidade, é atravessada por diversas contradições internas e o seu futuro no contexto mundial levanta muitas e importantes interrogações e enfrenta múltiplas ofensivas. Como afirma o Presidente da Comissão Jean- Claude Juncker: Agora é tempo de reflectir com orgulho no que alcançámos e lembrarmo-nos em conjunto dos valores que nos unem e obrigam. (…). Temos grandes desafios à nossa frente: sobre a nossa segurança, sobre o bem-estar do nosso povo, sobre o papel que a Europa necessita desempenhar num mundo cada vez mais multipolar. Uma Europa unida a 27 necessita de formatar o seu próprio destino e desenvolver um Projecto para o seu próprio futuro.
O Livro Branco sobre o Futuro da Europa, publicado em março 2017 e elaborado pela Comissão, parece reconhecer, pela primeira vez, quão grave é a crise de legitimidade que grassa no interior da UE, abrindo o debate relativamente a um conjunto de opções acerca do seu futuro. Embora aparentemente neutral nas cinco opções consideradas, o documento parece apoiar uma abordagem de uma Europa a várias velocidades, com mais integração para os países que assim o desejarem e menos integração para os que quiserem ficar de fora.
Não é possível antever o desfecho deste processo mas consideramos positivo o simples facto do mesmo ter sido desencadeado e obrigar os Estados membros a pronunciarem-se acerca do futuro, sendo de desejar que os governantes tragam o debate para o espaço da participação dos cidadãos.
Entre as questões a aprofundar está o reconhecido défice democrático da União Europeia e das suas instituições. As discussões sobre o défice democrático têm-se desenvolvido ao longo dos anos, mas pela primeira vez parece haver um reconhecimento genuíno de que é necessário mudar a situação no sentido de conhecer e gerir melhor as expectativas dos cidadãos para que as escolhas que venham a ser feitas sejam bem sucedidas. Por outro lado, há que reavaliar a repartição de competências, devendo a União concentrar-se naquilo que faz bem, devolvendo aos Estados membros as competências que aqueles podem exercer melhor.
Uma das questões que hoje mais se discute é a da partilha de poderes entre a Comissão e o Parlamento Europeu, com as correspondentes consequências para a democracia dada a natureza distinta da sua constituição: burocrática no primeiro caso e por sufrágio, no segundo.
Nos últimos cinco anos surgiram grandes divisões entre os Estados- membros quanto à forma como a UE deveria ir respondendo às várias crises, o que tem criado tensões e conflitos que continuam a prejudicar o aprofundamento da integração. Há que enfrentar a situação real de disparidade de níveis de desenvolvimento nos Estados- membros e seus territórios, na perspectiva de promover a conjugação de interesses divergentes e reforçar a solidariedade.
Não bastam, porém, afirmações de princípio a este propósito; são necessárias políticas e medidas concretas para as viabilizar. Tal só é viável se concomitantemente se aprofundar o sentido da identidade europeia e o reconhecimento das vantagens recíprocas de pertença a este espaço, que não é apenas económico mas cultural, histórico e geopolítico.
Do conjunto das questões a enfrentar tem de fazer parte também uma séria reflexão acerca do euro e as bases em que assenta a moeda única, bem como a concepção e o desempenho das instituições que lhe dão suporte, a sua responsabilização pela política monetária e a legitimidade ou ilegitimidade democrática que lhe subjaz.
Por último merece revisão crítica a actual estrutura eurocrática e o poder efectivo de que dispõe, a forma arrogante e prepotente como vem dialogando com muitos países que, embora todos europeus, são povos com especificidades culturais diversas e com matrizes económicas e sociais distintas que devem ser respeitadas. Estas dificuldades são agravadas pela implementação das políticas de austeridade nos últimos anos, que vêm gerando e alimentando um espírito anti-europeísta e abrindo caminho a indesejáveis correntes políticas populistas e nacionalistas a que estamos assistindo.
Em nosso entender há que aprofundar a UE e preservar os seus alicerces fundacionais em prol do bem-estar de todos os povos e da construção da paz.
O grande desafio para o futuro da União consiste em construir uma resposta adequada à revolução tecnológica e à crise ecológica que se concilie com uma efectiva convergência económica e social entre os Estados- membros e assegure qualidade de vida para os cidadãos europeus e progresso social.
 A este propósito é de destacar o projecto de vir a fortalecer a construção europeia com um pilar de Direitos Sociais no qual se inclua um conjunto de propostas em matéria de criação e sustentabilidade do emprego e direitos sociais, conduzindo ao fim do trabalho precário através da implementação de condições laborais dignas para o século XXI, a extinção dos estágios não remunerados, a adopção de um salário e de um rendimento mínimos decentes, a reabilitação de zonas urbanas degradadas, o combate ao desemprego, a aposta no investimento social e no fortalecimento dos direitos sociais em relação às liberdades económicas, o fortalecimento da posição europeia no espaço mundial.
Recentemente estão em foco propostas mais ambiciosas, nomeadamente no que diz respeito a uma política fiscal comum que, obviamente, supõe um orçamento comunitário com dimensão suficiente para promover o desenvolvimento sustentável, corrigir desigualdades e reforçar a coesão social.
Estarão os cidadãos europeus e as suas lideranças à altura destes desafios? Eis uma interrogação que nos deve preocupar e a resposta não pode deixar de estar presente na construção de uma estratégia de desenvolvimento.

Outubro 2017
Grupo Economia e Sociedade (Carlos Farinha Rodrigues, Cláudio Teixeira, Elsa Ribeiro, Flamínia Ramos, Isabel Roque de Oliveira, João Lourenço, Manuel Brandão Alves, Manuela Silva, Margarida Chagas Lopes, Maria Eduarda Ribeiro, Maria José Melo Antunes).



[1] Este texto tem por base o conjunto dos textos parciais que integram o projecto Economia e Sociedade – Pensar o futuro, os quais serão referenciados em cada um dos distintos capítulos. Cabe deixar um agradecimento especial aos comentadores, moderadores e demais participantes dos seminários onde foram apresentadas e discutidas versões preliminares. É devido um reconhecimento muito especial a Maria do Céu Tostão que providenciou a publicação de todos os textos nas páginas do blogue A Areia dos Dias.
[2] Para maior desenvolvimento consultar:
 http://areiadosdias.blogspot.pt/p/desenvolver-e-tudo-quanto-baste-ainda.html

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