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A revolução tecnológica e digital em curso e os seus impactos na economia e na sociedade

A inovação tecnológica não é um fenómeno novo, mas tem-se revestido, nas últimas décadas, de uma abrangência, complexidade e aceleração, que justificam a ideia de que está em curso uma quarta revolução industrial, com consequências dramáticas para a vida das pessoas, a economia e a organização sociopolítica.  
Já são visíveis os seus efeitos. Estarão os cidadãos preparados para responder adequadamente aos seus desafios?
Um exemplo: o cruzamento da digitalização com a robotização está a criar uma nova economia e um novo mundo do trabalho. Porém, o consenso acaba aqui: Criará ou destruirá postos de trabalho? Modificará ou deslocalizará empregos? Será o trabalho mais ou menos digno? Que consequências para a sustentabilidade ambiental? Como se repercute na repartição do rendimento? Qual o seu impacto no estado social adoptado pelos vários países europeus? Podemos esperar que os pontos fortes e as oportunidades que se criam sejam superiores aos pontos fracos e às ameaças para os trabalhadores e para a sociedade no seu todo?
As opiniões divergem, o que mostra como se torna indispensável e urgente um amplo debate na sociedade europeia e nos vários países membros, para que se possa encontrar o melhor caminho para uma sociedade mais justa, próspera e inclusiva. 

Globalização e competitividade

Para compreender a revolução tecnológica em curso e os seus impactos há que começar por situá-la no contexto de globalização e competitividade à escala mundial em que aquela ocorre.
É de admitir que a inovação tecnológica origine maior produtividade e proporcione melhoria da qualidade de vida das populações que venham a ser beneficiadas, mas nada garante que, num contexto de economia globalizada e mercados mundiais desregulados, os benefícios potenciais da inovação tecnológica não se convertam em perdas significativas para alguns grupos sociais e para os países menos preparados para dela tirarem partido.
Com efeito, o crescimento da digitalização e da automatização na indústria e nos serviços, decorrente das rápidas evoluções em áreas como a inteligência artificial, a robótica, a nanotecnologia, a impressão a 3D, vai tornar obsoletos muitos dos actuais postos de trabalho. Compreende-se, pois, que a maior preocupação social relativa à revolução tecnológica e digital em curso é que, dadas as exigências da globalização e da competitividade de um mercado internacional sem regras claramente instituídas, a revolução industrial contribua para o agravamento das desigualdades na repartição da riqueza e do rendimento, conduzindo ao aumento das tensões sociais entre ricos e pobres, tanto no interior dos países mais desenvolvidos, como nas comparações internacionais.
A globalização, construção social planetária correspondente a uma necessidade civilizacional, obriga, porém, a uma reflexão mais profunda. Não deverá a globalização conhecer quaisquer restrições? Os seus defensores dão muitas vezes como exemplo o aparente sucesso atribuído à globalização no combate à pobreza, como no caso da China. Mas será esse o modelo de economia e de sociedade que se pretende desenvolver?
Por outro lado, conhecem-se hoje soluções alternativas à globalização. Tal é o caso da re-internalização do offshoring. Através da introdução de novas tecnologias pode redesenhar-se, no país de origem, uma unidade de produção previamente deslocalizada, bastando para tal que se consiga diminuir o custo da unidade de computação.
Vivendo sob o lema da competitividade nos mercados globais, é fundamental ter em conta que ela depende fundamentalmente do progresso da digitalização, e que, no contexto actual, a perda de competitividade afecta não apenas uma dada empresa mas toda uma parte da população que, directa ou indirectamente, dela depende. Estamos, com efeito, no domínio da economia em rede: o vencedor apanha tudo, ou pelo menos o suficiente para impor um standard, obrigando outros a observá-lo. Trata-se de uma falsa concorrência que, de facto a globalização induz, já que é um número reduzido de empresas de topo que controla o mercado. Tecnologia, capital e poder político reforçam-se mutuamente.
Importa reconhecer que a transição será difícil e as pessoas menos qualificadas terão, certamente, menos possibilidades de se adaptarem à mudança, o que constitui, desde logo, um forte desafio, em especial no que respeita à educação das novas gerações e à formação das pessoas ao longo da vida, para garantir uma melhor adaptação à nova realidade tecnológica.
Há, por conseguinte, que pensar atempadamente em soluções que permitam gerir a transição no respeito por princípios de equidade na partilha de custos e benefícios e na óptica de uma ecologia integral. 

A digitalização e o seu impacto

A crescente digitalização e o seu impacto na economia e no mercado de trabalho estão a gerar grande debate não só na academia mas também na política e no mundo do trabalho, tanto na Europa como nos Estados Unidos. Este debate pode ser simbolizado com o que está a suceder no caso da Uber no sector de transporte de passageiros.
Segundo alguns, estamos perante o prenúncio do fim do trabalho assalariado, a total liberalização dos serviços e o alargamento da concorrência mundial, que vai muito para além da muito contestada proposta da directiva europeia Bolkstein sobre a liberalização dos serviços.
A generalização deste tipo de iniciativas poderá, eventualmente, pôr um fim ao modelo social europeu tal como o conhecemos hoje: não mais lei do trabalho; não mais horários de trabalho para os escritórios; não mais procedimentos especiais de despedimento. Em vez disso, teremos contas de internet criadas e eliminadas por decisão de uma qualquer start-up situada algures no mundo. Assim sendo, tornar-se-ão irrelevantes e inconsequentes quaisquer acções colectivas de defesa dos trabalhadores. E que dizer sobre possível incidência sobre a fiscalidade, as receitas públicas e, de um modo geral, sobre o financiamento do estado social?
Vejamos mais em pormenor a questão da Inteligência Artificial (IA). Esta é um ramo da ciência da computação que se propõe elaborar dispositivos que simulem a capacidade humana de raciocinar, perceber, tomar decisões e resolver problemas. Na vida real são já várias as suas aplicações: jogos, programas de computador, aplicativos de segurança para sistemas informacionais, robótica, dispositivos para reconhecimento de escrita à mão e de voz, programas de diagnósticos médicos e muito mais.
Os desafios da IA têm que ver, essencialmente, com a sua aplicação a qual coloca três tipos de problemas: autonomização nos serviços de transportes, mas não só; a complementaridade ou substituição entre a tecnologia e o factor trabalho; a necessidade de identificar os domínios de complementaridade entre a IA e o humano, vislumbrando-se já vários caminhos nesse sentido.
Segundo alguns cientistas, o futuro está longe dos filmes catastrofistas em que a IA toma conta da humanidade. Os robôs ainda sabem fazer « poucas coisas» e terão sempre limitações, pelo que a colaboração entre o ser humano e a  máquina será obrigatória. É este conceito de automação simbiótica que está a revolucionar a robótica no mundo, e que, por exemplo, está na base da investigação de Manuela Veloso que há 30 trinta anos investiga em Pittsburg nos Estados Unidos, tendo recebido o prémio de carreira atribuído pela Fundação Nacional de Ciências norte-americana.
Está na base da criação dos  cobots ou colalaborative robots, que navegam pela Faculdade de Ciências Computacionais da Carnegie Mellon University e executam várias tarefas, libertando os humanos das funções mais rotineiras e, quando precisam, pedem ajuda. .No futuro continuará a haver trabalho, mas não tem de ser das 9 às 18 horas.
A principal função dos cobots é processar informação sobre os espaços físicos e à medida que forem sendo utilizados vão recolhendo informação e aprendendo. O desafio é juntar a classificação à cognição e depois à ação e dessa forma ajudar os humanos a tomar decisões. Se já o fazem em Wall Street, por que não em nossa casa? É possível mandar os cobots fazer uma determinada pesquisa e ele apresentará a sua melhor opção. Como saber que esta é a mais acertada? Segundo parece, os robôs são ainda caixas pretas. Tomam decisões mas não se faz a mínima ideia do porquê de tais decisões. Muita da investigação que está a ser feita actualmente procura tornar as máquinas mais transparentes.
A ênfase está em tornar as máquinas da IA mais acessíveis aos humanos do ponto de vista da confiança.
Contudo, apesar dos evidentes benefícios destas máquinas, é indispensável avançar para a regulamentação de robôs e sistemas de IA, ara garantir que sejam os humanos a definir como trabalham as máquinas e, sobretudo, para defender a Ética.
De uma forma sintética, a 3ªrevolução industrial caracterizou-se pelo extraordinário desenvolvimento do hardware sob o comando de uma elite, enquanto, na fase actual, assistimos ao incremento contínuo do software, do intangível, do imaterial e do simbólico, operados por um número cada vez menor de trabalhadores. A discussão sobre a posição relativa do capital e do trabalho no processo de produção vai perdendo a sua razão de ser face ao crescente peso do factor imaterial.
Algumas pessoas consideram esta visão como exageradamente pessimista, admitindo que o desenvolvimento da economia digitalizada criará novas oportunidades no sector dos serviços onde serão facilitados projectos de colaboração e partilha, com ganhos no valor de uso mais do que no da propriedade, através do uso partilhado de bens de custo elevado, tais como carros, casas, equipamentos; reparação em vez da substituição; financiamento local e partilhado em vez de empréstimos bancários; impacto na indústria onde as linhas de produção serão cada vez mais inteligentes e tornarão mais flexível o contributo do trabalhador, para se conseguir uma nova forma de colaboração entre humanos e máquinas. Ter-se ia, assim, um modelo económico novo, com um custo marginal de zero e que, em pouco tempo, conduziria a um crescimento económico poderoso com elevada criação de novos empregos.
Com visão mais ou menos optimista ou pessimista, o certo é que, em Abril de 2014, a Uber, uma startup, criada cinco anos antes, inundou o mercado europeu do transporte, usando a sua aplicação de transporte partilhado. Esta situação mostrou aos europeus as tremendas oportunidades concebidas a partir do desenvolvimento tecnológico, mas também constituiu uma ameaça para os transportes tradicionais.
Se nada se fizer, com uma aplicação móvel e alguns algoritmos, qualquer pessoa pode tornar-se num serviço de táxis. Sem formação, sem pagar impostos, sem contribuições para a segurança social, sem constrangimentos regulatórios, estes condutores auto indicados podem, de um dia para o outro, concorrer com a tradicional empresa de táxis ou de pequenos bus. Uma forma regulada de fornecimento de serviços é, de um momento para o outro, ameaçada por uma start up americana que não tem um único veículo em seu nome…
O fenómeno é emblemático de uma completa ruptura com a prática usual, de tal modo que hoje se fala de uma possível uberização da economia. Dos táxis às televisões, aos produtores de filmes, aos restaurantes, aos bancos, a maneira como os indivíduos e as empresas fazem negócios está-se a modificar tão aceleradamente que algumas empresas acham difícil acompanhar o ritmo da mudança que decorre da acção conjugada de três factores: a internet e o desenvolvimento de redes de alta velocidade; o aparecimento de plataformas de internet com massas colossais de informação utilizáveis de forma pessoal, comercial, geográfica e comportamental; o aparecimento de novas formas de serviços móveis, smartphones, iphones, tablets, etc. que dão, aos consumidores, trabalhadores e produtores de serviços, acesso a internet móvel a cada momento e em qualquer lugar.
Estes três desenvolvimentos tiveram o efeito de, em poucos anos, eliminar distâncias e fronteiras, graças às redes, criando novas matérias-primas – os dados – que são directamente exploráveis pelas plataformas, empresas ou startups. Esta mudança afecta os sectores dos serviços e das indústrias, o trabalho manual e intelectual, os trabalhadores assalariados convertem-se em auto-empregados. 

O sistema produtivo

Como resultado da recente combinação entre os progressos da digitalização e da inovação tecnológica, têm surgido novas empresas que aproveitam do desenvolvimento de aplicações informáticas que lhes permitem tornar lucrativas áreas de serviços de resposta a novas necessidades em sectores-chave como sejam o transporte, a entrega de encomendas, a procura e o arrendamento de alojamentos, acesso a financiamentos, reparações de equipamento, etc…).
Hoje em dia, qualquer indivíduo equipado com um smartphone pode tornar-se produtor, criar serviços ou colocar serviços em oferta, por forma a obter deles alguns benefícios.
Por outro lado, certos activos de investimento oneroso (viaturas, locais, certas ferramentas, softwares) e de utilização incompleta por um único proprietário (indivíduo ou empresa) podem ser partilhados por diversos utilizadores, com a correspondente economia de custos e consequente acréscimo de competitividade.
A ruptura que se opera entre o utilizador e o proprietário do bem utilizado em partilha traz novos desafios acerca da relação entre a plataforma que faz a gestão do bem em causa e o utilizador e fornecedor do serviço a terceiros, com impactos no modo de definição dos proveitos e na atribuição de impostos. Acresce que o negócio assume, muitas vezes, uma dimensão internacional, o que, necessariamente, vem potenciar o agravamento das desigualdades sociais e criar maiores dificuldades à sustentabilidade do modelo social, designadamente à regulação do mercado laboral e à imposição fiscal que lhe subjaz.
Através da acção conjugada da internet, big data e smartphone, está a surgir um novo modo de produção e uma nova economia que configuram um novo mundo para o mercado do trabalho e para as famílias.
As estatísticas existentes não detectam, por ora, o verdadeiro impacto destes desenvolvimentos, dada a natureza específica dos bens digitais, muitas vezes intangíveis, e cujo valor acrescentado é mal avaliado pela medida do PIB, não existindo, por isso uma visão clara dos seus verdadeiros efeitos.
Alguns autores entendem que se trata de um desenvolvimento, que se tem realizado com rapidez, mas que não é revolucionário nem comparável à generalização da electricidade no sec.XIX. A impressão a 3D, os robots, etc., sendo dispositivos relevantes, não têm impactos comparáveis à descoberta da electricidade e à água canalizada. Pensam que não se pode confiar nestes recursos para constituírem a alavanca de um crescimento acelerado nos próximos anos. Outros não hesitam em falar de uma situação de verdadeira ruptura já em marcha, pois os novos desenvolvimentos quebram os modos correntes de organização das empresas.
Por outro lado, a adopção destas tecnologias pelas empresas, se forem bem incorporadas no capital físico e humano, permitem às economias criarem mais valor com menos matéria-prima. Isto significa que não se trata de uma adaptação a novas práticas mas de uma criação/destruição de capital, que obriga a quebrar e a acabar com o velho modelo, para entrar num modelo completamente novo em termos de métodos de produção, recursos e modelo de gestão. Esta tecnologia é vista como o último factor da optimização: zero custo marginal, segunda era da máquina, eliminação das polémicas ligadas ao aquecimento global, evolução da biodiversidade, etc.
Os mais optimistas admitem que a digitalização contribuirá para uma sociedade optimizada, para uma governança racional sem erros ou desperdícios e que estamos a passar de uma sociedade onde a energia era a chave do progresso, da inovação e da produtividade, para outra, onde os dados e a informação tecnológica a eles ligados serão a chave do progresso. 

A transição para uma economia do conhecimento 

Como já se referiu, é no mundo do trabalho que mais directamente se farão sentir os efeitos da revolução tecnológica em marcha. Não basta, porém, pensar que se resolvem os problemas apenas com maior e mais exigente qualificação dos trabalhadores, mais especialização e reforço da formação. Importa ter a consciência de que é necessário entrar num mundo do trabalho onde tudo será diferente. Tão pouco podemos circunscrever a problemática em causa ao nosso país, dada a sua integração na Europa e no Mundo.
Em particular, é fundamental que a EU tenha uma visão comum acerca do modo como a digitalização deverá evoluir (Kowalsky, 2015).
No sector dos serviços, por exemplo, o que deverá mudar? A relação com o trabalhador ou antes com o fornecedor ou ainda com o empregador ou talvez com o algoritmo que fornece o trabalho, calcula o pagamento e prepara a folha de pagamento? O contrato de emprego, a negociação salarial, o processo de despedimento, a desactivação de contas também mudarão? Como ficará a segurança social, a saúde ocupacional, os padrões de segurança e higiene no trabalho, etc?
No sector industrial, também os modos de produção estão a mudar, a inter-accão entre o trabalhador e a máquina inteligente será diferente, o acompanhamento e o controlo do trabalhador também, e as práticas de gestão poderão implicar um aumento de pressão e, no limite, criar novas modalidades de opressão e exploração dos trabalhadores.
No que diz respeito aos consumidores, a combinação e a soma total de informação quantitativa e qualitativa de natureza pessoal, comercial, geográfica e comportamental, disponível nas redes digitais – internet, telefones móveis, satnavs etc. – exploráveis como matéria-prima, particularmente no contexto das aplicações móveis (apps) constitui hoje uma nova matéria-prima.
A economia digital e as suas startups, procurando dar valor a esta matéria-prima utilizam plataformas gigantes, incluindo a Google, Facebook, Apple, Amazon, IBM, etc, que produzem e gerem um volume brutal de informação sobre os seus clientes, e usam algoritmos para converter a big data em informação explorável e utilizável. Também nesta questão se levantam problemas éticos que carecem de solução.
O crescimento destes dados é exponencial (90% dos dados que hoje circulam na internet foram criados nos dois últimos anos). O sector da big data tem crescido a 40% ao ano, sete vezes mais do que a informação da base de dados da Comissão Europeia, em 2015. De acordo com a International Data Corporation (IDC), o mercado tecnológico e de dados representa uma oportunidade de negócio de muitos biliões de dólares e cresce aceleradamente.
As três características fundamentais da Big Data, o volume, a velocidade, e a variedade, permitem, numa série de campos, prever a reacção ou antecipar o comportamento do consumidor, do condutor, do vendedor, do trabalhador e, por que não, do político. Deste modo, as plataformas de Big Data tornam-se inteligentes e podem constituir máquinas de aprendizagem que, alimentadas pelos dados e pela informação, começam a desempenhar tarefas inimagináveis, diagnosticando doenças, conduzindo veículos, escrevendo artigos para os jornais, prevendo epidemias, restaurando a visão aos parcialmente cegos e muitos outros avanços.
A «informação inteligente» abana e ultrapassa procedimentos de retalho, formas de organização industrial e empresarial, atingindo não apenas o interior das organizações mas também campos mais vastos como o da saúde, educação, agricultura, ambiente, energia, transportes, gestão do tráfego, planeamento urbano, etc. Alguns autores falam de uma segunda economia distinta da tradicional economia física de produção de bens e serviços.
Em termos de organização empresarial, estamos a passar de uma economia em que o dono das infra-estruturas criava e capturava o valor, para uma economia em que o dono dos dados e da informação cria e absorve todo o valor.
Até há pouco tempo, os grandes industriais europeus pensavam, erradamente, que as suas actividades estavam protegidas da ameaça digital. Contudo, o Comissário Europeu, Gunther Oettinger, mostrou alguma preocupação com a indústria automóvel europeia que tem um papel fundamental na economia da Europa e que, apesar do seu avanço tecnológico e de já ter iniciado o seu processo de digitalização, pode ter de enfrentar a concorrência, designadamente da Apple, uma vez que esta decidiu fabricar automóveis.
Embora com fornecedores diversificados, será a Apple a desenhar o modelo do carro do futuro que vai incorporar todo o sistema de informação, dado que o carro se está a transformar numa extensão do computador e do smartpfone ou seja num computador com rodas. Com razão é de temer que um tal projecto venha a representar uma ameaça fatal para a indústria europeia de automóveis.
O carro, por muito bom que seja, fica por vezes bloqueado pelo trânsito. Contudo, na era digital, o carro inteligente (ver a app da Waze) propõe o caminho mais rápido em tempo real, como também realiza novos serviços de transporte com a partilha ou o recurso ao pooling de carros.
Em síntese: na sociedade do futuro, as plataformas de informação serão as fábricas do século XXI e a base da economia do conhecimento. 

Ficará a Europa marginalizada? 

A posição virtualmente monopolista, de empresas como a Google, Facebook, Apple, Amazon, Linkdin, Microsoft, etc., dados os seus elevados recursos financeiros e forte capacidade de inovação, constitui grandes desafios para a economia europeia.
Cabe anotar que estas empresas são relativamente pequenas em termos de número de técnicos, porém são enormes em termos de capitalização, reflexo do interesse dos investidores nesta nova economia, e de uma forma geral devido ao interesse demonstrado pelos seus utilizadores. O seu poder financeiro permite-lhes comprar no ecossistema digital todas as startups que pretenderem, para aumentar, fortalecer e inovar os seus próprios serviços. (Instagran e Whats App compradas pelo Facebook ; Youtube e Deopcam,,Uber Waze compradas pela Googlel; Séri, Embark, etc compradas pela Apple; Twitch pela Amazon etc.
Por outro lado, têm tendência para se expandirem para muitos e diversificados sectores, tais como o automóvel, a saúde, as finanças, a educação, a música etc., pondo em causa de forma radical o modelo de negócios de grandes empresas, por estarem em posição de obterem elevados ganhos de produtividade, capturando rendas a nível global.
Por causa deste poder financeiro enorme, bem como pela sua capacidade de fazer lobby conseguem operar nas fronteiras da legalidade, optando por crescer primeiro e depois tentar a sua legalização através do respectivo poder.
Neste contexto, há que perguntar: De onde poderá vir o crescimento europeu? Qual o futuro do sector fabril europeu? Ficarão as PME escravas das plataformas digitais? Ficará a Europa dependente do processo de plataformização ou da informação e dos dados dos Estados Unidos? Estará a Europa em risco de ficar marginalizada na corrida para a digitalização da economia?
Não se nega que já existem muitas startups na Europa, mas não possuem nem tantos recursos financeiros nem a mesma profundidade de conhecimento e de apoio tecnológico. O mesmo se pode dizer do desenvolvimento da robótica, que é, também, muito maior nos Estados Unidos.
Numa perspectiva de médio prazo, Atkinson é peremptório quando afirma que, depois de um longo período em que a Europa se aproximou das condições de produtividade americanas, desde 1995, o gap tem aumentado em cada ano e não dá sinais de vir a diminuir. Isso deve-se, em grande parte, ao facto de não ter sabido utilizar a revolução digital e tecnológica como sucedeu nos Estados Unidos
Apesar desta constatação, não devemos deixar de referir que recentemente a Comissão Europeia difundiu os seus planos para ajudar a indústria europeia, as PME, os investigadores e as autoridades públicas a tirarem o máximo partido das novas tecnologias.
Reconhece-se que estão em curso transformações tecnológicas profundas nos processos produtivos de bens e serviços, designadamente pela via da crescente digitalização, as quais carecem de apoio, coordenação de esforços entre as iniciativas nacionais e normalização, de modo a retirar o maior benefício possível da inovação à escala europeia.
A Comissão Europeia vai promover o investimento na digitalização, através de redes e parcerias estratégicas, definir normas comuns em domínios prioritários como as redes de comunicação 5G ou a ciber segurança e a modernização dos serviços públicos.
De destacar também o projecto de criação de um nuvem europeia que terá como objectivo proporcionar aos investigadores e aos professores nos domínios da ciência e da tecnologia um ambiente virtual para armazenar, gerir, analisar e reutilizar grandes volumes de dados de investigação. Espera-se, assim, que a revolução industrial em curso seja impulsionada pela revolução digital e que as empresas e os serviços públicos possam satisfazer, com eficiência, as suas necessidades de informação, transparência e gestão de recursos. 

O caso português

Que consequências podemos antever para Portugal desta revolução? Temos condições para a acompanhar, dados os investimentos em infra-estruturas científicas e tecnológicas realizadas nos últimos anos? A existência e a qualificação dos recursos jovens bem como a nova geração de empresários serão suficientes?
Serve de exemplo o que ocorre com a indústria automóvel em Portugal.
A Auto Europa já tem impressão a 3D na linha de produção, mas esta evolução irá estender-se, certamente, a outros sectores. Poderemos esperar grande transformação nas fábricas, nas linhas de produção, nas relações destas com os clientes, nas cadeias de logística e no comércio electrónico.  
Foi lançada no Porto, no princípio de Junho, a Startup Portugal, e definida uma Estratégia Nacional de Empreendedorismo composta por quinze medidas que visam apoiar os empresários que decidirem criar negócios inovadores. Além de reforçar os instrumentos de financiamento, o Governo cria um sistema fiscal favorável aos empreendedores: vão poder deduzir ao IRS até 100 mil euros se forem investidos em startups, além da revisão do regime de mais-valias, mais favorável para os investimentos em empresas tecnológicas. Pretende-se desta forma atrair investimento estrangeiro (IDE) e reter técnicos jovens que de outra forma emigrariam.
Peça importante desta estratégia foi o lançamento do Manifesto Português de startup, uma espécie de magna carta onde estão elencados os desafios e as acções que os jovens têm de vencer para serem competitivos no sector
É indispensável ter em atenção dois tipos de desafios, diferentes e ambos fundamentais: um deles tem que ver com a literacia digital que deveria exigir um programa especial para o seu desenvolvimento, não sendo suficiente a formação profissional presentemente disponível; outro, uma reflexão de longo prazo sobre o que pretendemos para o país num horizonte de 20 anos.
O processo actual de planeamento, se é que se lhe pode dar esse nome, visa o médio prazo e abrange pouco a modernização de hardware e muito menos o software. Impõe-se, por conseguinte, definir e consensualizar uma visão de longo prazo: Qual deverá ser a nossa estratégia de longo prazo?
Acompanhar os mais avançados, como fizeram o Japão e mais recentemente a China, ou desejavelmente, saltar etapas (leap frogging) como serve de exemplo o caso da Coreia do Sul? 

Conclusão

Como se referiu de início, a digitalização e a robotização não são um fenómeno novo e têm-se desenvolvido ao longo de décadas, havendo hoje um consenso de que se atingiu um ponto alto e irreversível, fenómeno este que, possivelmente, se acelerará no futuro. Destacaremos três aspectos que carecem da maior atenção:
  • Inevitabilidade do choque digital e social em curso;
  • Alteração das condições de criação de valor;
  • O facto de os robôs, nas actuais circunstâncias, não contribuírem para o financiamento da Segurança Social e como tal porem em risco o modelo de estado social. 
Torna-se evidente que o novo modelo tem de romper com todo um conjunto de procedimentos e formas de regulação actualmente existentes, faltando as políticas públicas indispensáveis ao bom enquadramento do processo em curso.
Pode até pensar-se que a inovação, além da sua inevitabilidade, nos irá surpreender e porventura assumir um perfil ainda mais acentuado. O conceito de Big data é talvez temporário e traz como novidade o facto de permitir relacionar dados de natureza diferente. Mais do que termos robôs em casa, acontecerá relacionarmo-nos com uma grande diversidade dos mesmos, em vários domínios, permitindo-nos processar actividades muito diversificadas, com maior eficiência. Será que o aumento da produtividade é inimiga do emprego ou se a tecnologia permitir superar a execução de tarefas repetitivas e monótonas não será tanto melhor? Em qualquer caso, torna-se indispensável encontrar modelos políticos, económicos, e sociais que enquadrem esta evolução, de forma a não agravar, mas antes a corrigir, as desigualdades de oportunidades e de rendimento, riqueza e capacitação.
São muitas as interrogações acerca do futuro e do melhor caminho para fazer a transição. As percepções e opiniões dividem-se, mas é inquestionável a convicção de que é indispensável e urgente promover um amplo debate na sociedade europeia e nos vários países membros, para que, os cidadãos participem das escolhas que importa fazer e para que se possa encontrar caminho para uma sociedade mais justa, próspera e inclusiva. São necessárias políticas que favoreçam os pontos fortes (mundo conectado, sistemas abertos, economia do conhecimento, acesso baseado na funcionalidade e não na propriedade, governança optimizada, etc.) bem como as oportunidades (organizações mais ágeis e flexíveis, mais trabalho autónomo, eliminação de tarefas repetitivas, melhor ergonomia, tarefas pesadas e complexas mais facilitadas, novas formas de cooperação e colaboração, etc..)
Do mesmo modo, deverão ser combatidos e evitados os aspectos negativos da revolução tecnológica em curso, tais como o menor crescimento do emprego, a concentração do poder e da riqueza em poucas empresas, com a correspondente perda para outras e para alguns países e sectores, a diminuição da classe média e a polarização da sociedade entre um número reduzido de trabalhadores no topo da escala e um grande número, uma massa, no fim da escala, bem como evitadas as ameaças, designadamente a destruição massiva de empregos de tecnologia média, a perda de controlo por parte do trabalhador da sua própria técnica, experiência e livre arbítrio, tornando-se na ferramenta de uma máquina, a erosão da base fiscal e do financiamento da segurança social, etc.
O funcionamento da democracia no contexto global e de rápida evolução tecnológica levanta importantes questões de ética que não podem, igualmente, ser esquecidas e que é indispensável ter presentes. Por exemplo, as seguintes:
  • O vivo e as tecnologias do vivo
  •  Os problemas de privacidade inerentes a Big data, Big brother, etc.
  •  A ética da inteligência artificial
  •  A excessiva polarização no mundo do trabalho
Em suma: É necessário e urgente que as sociedades democráticas alarguem o espectro do debate público e as escolhas democráticas a estas questões que têm muito a ver com a qualidade de vida das pessoas e da sociedade, já no tempo presente e, sobretudo, com as suas implicações para as gerações futuras.

Elsa Ferreira (GES)
30 Janeiro 2017

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